A Ponte de Caniços no caminho da 2ª. Invasão Francesa

     Soult, o general que comandou a segunda invasão francesa, depois de ter esmagado na batalha da Corunha o exército inglês comandado por sir John Moore, avançou sobre Portugal com uma força bem equipada, disciplinada e experiente de mais de vinte mil soldados. O seu objectivo era chegar ao Porto e depois avançar sobre Lisboa. Ao encontrar nas margens do rio Minho forte resistência, decidiu marchar em direcção a Orense e depois seguir pelo vale do rio Tâmega para Chaves, cidade que foi tomada e cujos defensores se renderam a 12 de Março de 1809.

     Em Chaves Soult decidiu seguir para o Porto através da Serra da Cabreira e descer o vale do rio Cávado por Ruivães e Salamonde. Na frente fez seguir o corpo de cavalaria que facilmente afastava os focos de resistência que encontrava mesmo nas mais pequenas povoações onde entre os combatentes se encontravam homens e mulheres, novos e velhos. No dizer de Arnaldo Gama, foi «enxotando (...) a paisanada mal armada, que se lhe opunha em turba-multa, e que o precedia com a anarquia e com os furores sanguinários do patriotismo dementado». (1) Na povoação de Carvalho de Este, a pouco menos de 10 quilómetros de Braga, nas colinas que ladeiam a estrada, uma força muito heterogénea formada por cerca de vinte e cinco mil portugueses constituída por forças regulares e maioritariamente por uma multidão de populares indisciplinados e mal armados, grande parte deles dispondo apenas de paus, forquilhas ou chuços, pretendeu travar o avanço do invasor, mas foi impiedosamente derrotada. A batalha de Carvalho de Este, a 20 de Março de 1809, foi facilmente resolvida a favor das tropas francesas que, no mesmo dia, ocuparam Braga. Nesta batalha pereceram mais de mil portugueses, entre os quais pelo menos dois bairrenses, Rodrigo António Pinheiro de Lacerda, de 55 anos de idade, do lugar de Pousada, e José Pereira, do lugar de Bairro. (2)

     Agora os franceses tinham o caminho aberto para o Porto, mas teriam ainda um obstáculo a vencer: o rio Ave. Foram estudados percursos que conduziam a pontes e vaus que permitiriam a travessia do rio Ave e do rio Vizela. Para essa marcha em direcção ao Porto, Soult decidiu dividir as suas forças em três colunas: uma seguiria por Barcelos e atravessava o rio na Ponte de Ave, em frente a Vilarinho (Vila do Conde); outra seguiria por Famalicão e passava o Ave na Barca da Trofa; a terceira ia de Braga a Guimarães atravessando o Ave entre estas duas cidades, na ponte de S. João, perto das Caldas das Taipas, seguindo depois em direcção a Santo Tirso, devendo cruzar o rio Vizela na ponte de Negrelos. Todas estas passagens se encontravam defendidas pelos ordenanças da região, muitos deles sobreviventes da batalha de Carvalho de Este. Soult deixou em Braga uma divisão de Infantaria com a finalidade de proteger doentes e feridos que aí ficavam bem como defender a sua rectaguarda contra as forças do general Botelho que operavam na região Norte do Minho.

                             

                A ponte de Ave ou ponte D. Zameiro                               A ponte de S. João nas Caldas das Taipas

     Os dois primeiros percursos materializavam-se por boas estradas que permitiam movimentar com facilidade as tropas e a artilharia. Por isso era aí que se esperava que os franceses passassem e, assim, foi para as respectivas passagens do Ave que foram enviados os reforços que foi possível mobilizar. A terceira estrada era mais fraca e por isso foi assumido que os franceses não a utilizariam, ficando por isso mais desprotegida. 

                                 

                                                                             A ponte de Negrelos

     As forças portuguesas que guarneciam as passagens - pontes e vaus - em S. Martinho do Campo, Santo Tirso (3), Trofa e Vilarinho e outros locais onde os franceses poderiam atravessar o rio, eram maioritariamente formadas por populares que voluntariamente acorreram a defender aquelas posições com todas as debilidades e insuficiências no que toca a armamento, organização e disciplina. Não lhes faltava, no entanto, determinação.

  

        Lugar da Barca da Trofa entre Ribeirão e Trofa                            A defesa da Barca da Trofa em 1809

     É muito difícil estimar os efectivos do lado português que fizeram frente ao invasor nas margens do Ave e do Vizela. As forças francesas eram constituídas por três divisões de infantaria comandadas, respectivamente, pelos generais Merle, Mermet e Delaborde, com cerca de treze mil homens. Um corpo de cavalaria com quatro regimentos comandado pelo general Francheshi e uma divisão de Cavalaria comandada pelo general Lahoussaye, mais três mil homens, sem falar da divisão de infantaria do general Heudeulet que tinha ficado em Braga e que funcionava como uma força de reserva.

     As colunas militares francesas encontraram forte resistência em todas as passagens, especialmente na Ponte de Ave e na Trofa. Aqui, o próprio Soult comandou um ataque para forçar a passagem, mas que não surtiu o efeito desejado. Não estando disposto a perder homens nestes combates, Soult conduziu as suas tropas pela margem do rio à procura de um lugar onde fosse possível a passagem, mas encontrou sempre forte resistência por parte das forças  não regulares do lado português. Parte das tropas francesas chegaram a Santo Tirso e até mesmo à ponte de Caniços. Quem o diz é Arnaldo Gama, em «O Segredo do Abade» quando afirma quase no final do capítulo 2: «os franceses tinham chegado à ponte dos Caniços e preparavam-se para a atravessar. Ao fazê-lo, alguns tiros, imprudentemente disparados pelos moleiros das azenhas vizinhas, provocaram os desejos de vingança, já mais que superexcitados, nos fugidos de Guardizela. Para a satisfazer, puseram fogo aos moinhos (4) e às casas que aí havia, assassinando as poucas pessoas que nelas tinham ficado» (5), o que deve ter ocorrido a 26 de Março de 1809.

                                           

                                                                             A ponte de Caniços

     Arnaldo Gama dá a entender que os franceses que atravessaram o rio Ave na ponte de Caniços vinham de Guardizela. Não creio que seja assim. Esses tinham passado por Guimarães ou nas suas proximidades e deviam dirigir-se para a ponte de Negrelos. Se hipoteticamente seguissem o percurso de Guardizela para Caniços teriam que voltar a atravessar o rio Ave, agora da margem esquerda para a margem direita, o que seria contrário ao seu propósito, que era atravessar o rio Vizela, caminhar em direcção a Santo Tirso e depois seguirem para o Porto. Não creio que o tenham feito. Parece mais provável que aqueles que passaram na ponte de Caniços pertencessem a unidades que já tinham tentado atravessar o rio na Trofa e em Santo Tirso e, tendo encontrado resistência, procuravam uma alternativa mais fácil. 

                        Ficheiro:Passagem do rio Ave 24-26Mar1809.jpg

     A coluna militar francesa que seguiu em direcção a Guimarães afastou com alguma facilidade a resistência que encontrou. Dirigiu-se para Sul e uma força avançada tomou a ponte de Negrelos, entre Moreira de Cónegos e S. Martinho do Campo, no dia 25 de Março, mas na noite de 25 para 26 de Março, a população local conseguiu expulsar os franceses. A ponte foi recuperada no dia 26 de Março pela Brigada de Infantaria do general Jardon, da divisão Mermet, que aí perdeu a vida. Depois da conquista da ponte, o corpo de cavalaria de Franceshi seguiu pela margem esquerda do Ave e atacou o flanco das forças portuguesas primeiro em Santo Tirso e depois na Trofa. Mais tarde Soult determinou a realização de idêntica operação na Ponte de Ave. A travessia do rio estava assegurada. Os defensores ao tomarem conhecimento que os franceses começavam a atravessar o rio, decidiram retirar para o Porto para ajudarem na defesa da cidade. Soult ficava com o caminho livre de obstáculos até ao Porto.

     Notas:

     (1) - Arnaldo Gama, em «O Segredo do Abade».

     (2) - Em Julho de 1809, quase 4 meses depois da batalha de Carvalho de Este, foram celebradas exéquias por Rodrigo António Pinheiro de Lacerda. O livro de registo de óbitos da freguesia dá conta disso e também refere o nome de José Pereira, mas os seus corpos não foram enterrados em Bairro. As cerimónias tiveram lugar na igreja e foram presididas pelo abade da paróquia, pe. João António de Azevedo Coutinho. 

     (3) - Em Santo Tirso havia dois locais de passagem, um junto ao mosteiro e o outro na freguesia da Lama, no lugar de Portos.

     (4) - Havia a montante da ponte de Caniços um açude e alguns moinhos de que actualmente já não há vestígios. A jusante ainda hoje é possível observá-los ainda que já não estejam em actividade. 

     (5) - Tive o cuidado de verificar nos livros de registo de óbitos de Sanfins, Bairro, Sequeirô ou Rebordões de Março de 1809 o ocorrência de alguma morte devida à acção das tropas francesas nos moinhos junto à ponte de Caniços, mas não encontrei qualquer registo. Pode ser que as pessoas que terão sido mortas no local fossem doutras freguesias.