A necrópole da Quinta da Bouça
A quinta da Bouça
Foi descoberta na Quinta da Bouça, nos inícios do século passado, uma sepultura de inumação de onde foram «recolhidos acidentalmente por imperitos» quatro vasos. Nas proximidades também foi encontrado um bracelete de ouro. A informação, dada por José Fortes na revista «Portugália», fascículo 3º do II tomo, foi depois recuperada por outra publicação «O Arqueólogo Português», número 12, página 381, de 1907. Os objectos encontrados estão classificados como pertencendo à Idade do Bronze, o que prova a existência de um povoado naquele local em tempos tão remotos. Recorde-se que a Idade do Bronze é um período da civilização no qual ocorreu o desenvolvimento desta liga metálica, resultante da mistura de cobre com estanho. Não aconteceu ao mesmo tempo em todos os lugares. Iniciou-se no Médio Oriente à volta de 3300 a.C., mas, no território que hoje é Portugal, decorreu aproximadamente entre 1300 a.C. e 700 a.C., o que significa que aqueles achados assim como o povoado que aqui existiu terão cerca de 3000 anos!
É muito provável que nas proximidades houvesse mais sepulturas do mesmo tipo, que terão sido destruídas pela acção humana ao longo de uma existência tão prolongada, visto que desde há muito que eram procuradas com o fito de encontrar tesouros, que por vezes eram enterrados junto dos cadáveres. Apesar disso, a necrópole da quinta da Bouça, pelas suas características e peculiaridades, é mencionada de forma recorrente em muitos trabalhos científicos na área da arqueologia e da história.
Num estudo sobre a Agra de Antas, situada em Esposende, Domingos Cruz e Huet Gonçalves, referindo-se à sepultura encontrada na quinta da Bouça, dizem ser do tipo «covachos, pouco profundas, abertas no solo, por vezes atingindo o saibro, de planta sub-rectangular ou ovalada, de fundo chato (sepulturas planas)». Os mesmos autores, citando J. Fortes, acrescentam: «Deste sítio conhecem-se quatro recipientes cerâmicos, dois de largo bordo, um de corpo ovóide, fundo plano, colo alto, subcónico, com asa (...); nas proximidades, a cerca de 100 m, achou-se um bracelete (1) de ouro maciço (bem como um pequeno aro de metal, que não parece ouro), à profundidade de 0,55 m, quando se procedia à surriba de um terreno inculto da Quinta da Bouça, denunciando antiga cava em área rectangular, que poderia corresponder em dimensões a um coval de inumação».
Mais adiante acrescentam: «os investigadores que na primeira metade do século XX dedicaram atenção a este tipo de vasos consideram-nos, de um modo geral, de utilização caracterizadamente funerária. Os recipientes seriam colocados junto dos cadáveres e serviriam para conter manjares destinados ao sustento do finado na longa viagem que empreendera após a morte.»
Por outro lado, tendo em conta que alguns dos recipientes encontrados na quinta da Bouça e no Monumento 3 da «Casinha Derribada» (Mundão, Viseu) são semelhantes e que cronologia destes foi estabelecida aproximadamente entre 1400 e 1150 a.C., não deve ser abusivo pensar que a cronologia daqueles seja idêntica.
O bracelete, com o peso de 180,2 g, é propriedade do Museu Nacional de Arqueologia, instalado no Mosteiro dos Jerónimos, tendo sido adquirido pelo Dr. José Leite de Vasconcelos (2) pelo valor de 120.000 réis. É de ouro maciço sem decoração, de aro elipsoidal aberto com as extremidades justapostas por provável alteração da forma original e de secção circular adelgaçando para os remates com botões rudimentares obtidos por martelagem. Foram utilizadas no seu fabrico as técnicas de moldagem por cera perdida e moldagem bivalve.
Os quatro vasos, todos de fabrico manual e de formas diferentes, são feitos de uma pasta grosseira de barro arenosa; três são de cor escura enquanto o quarto é de cor beige, com tons alaranjados.
Infelizmente não foi feito um estudo do local que tão importantes descobertas impunham e julgo que nem sequer se tenha obtido uma fotografia do mesmo. Apesar do Plano Director Municipal, em vigor desde 1992, estabelecer que «qualquer remoção do subsolo no local, mesmo o plantio de árvores por meios manuais ou mecânicos, deverá ser acompanhado por técnicos de arqueologia», parece que a área onde foi encontrada a sepultura e os restantes achados foi transformada em vinha e pomar. As normas do P.D.M. devem ter chegado demasiado tarde, visto que, na altura em que entrou em vigor, já o sítio arqueológico devia estar destruído. Além disso, duvido que agora alguém seja capaz de identificar com precisão o local exacto em que foram encontrados estes achados, pelo que o estudo da necrópole de há muito deve estar irremediavelmente comprometido.
Segundo informação que me foi fornecida em Dezembro de 2012, por Felisbela Oliveira Leite do Gabinete de Arqueologia da Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão, o bracelete encontrava-se em exposição na sala do tesouro do Museu Nacional de Arqueologia, em Lisboa, e as peças cerâmicas encontravam-se depositadas naquele Gabinete. Na altura em que me foi comunicada essa informação, por o Gabinete de Arqueologia estar em mudança de instalações, não era possível a sua exposição.
Bracelete de ouro encontrado na Quinta da Bouça
Os quatro vasos encontrados
Notas:
(1) - Da ficha de inventário do bracelete, que poderá ser consultada em www.matriznet.dgpc.pt, da Direcção-Geral do Património Cultural, consta o seguinte:
Museu: Museu Nacional de Arqueologia
N.º de Inventário: Au 26
Supercategoria: Arqueologia
Categoria: Ourivesaria
Denominação: Bracelete
Datação: Idade do Bronze Tardio (?)
Matéria: Ouro
Técnica: Fundição e martelagem
Dimensões (cm): espessura: 0,7; diâmetro: 8;
Descrição: Bracelete elipsoidal aberto, de aro maciço e liso de secção sub-circular apresentando as extremidades justapostas e os terminais afeiçoados por martelagem.
Incorporação: Compra - Dr. José Leite de Vasconcelos por 120.000 réis
Proveniência: Quinta da Bouça
Origem / Historial: *Forma de Protecção: classificação;
Nível de Classificação: interesse nacional;
Motivo: Necessidade de acautelamento de especiais medidas sobre o património cultural móvel de particular relevância para a Nação, designadamente os bens ou conjuntos de bens sobre os quais devam recair severas restrições de circulação no território nacional e internacional, nos termos da lei nº 107/2001, de 8 de Setembro e da respectiva legislação de desenvolvimento, devido ao facto da sua exemplaridade única, raridade, valor testemunhal de cultura ou civilização, relevância patrimonial e qualidade artística no contexto de uma época e estado de conservação que torne imprescindível a sua permanência em condições ambientais e de segurança específicas e adequadas;
Legislação aplicável: Lei nº 107/2001, de 8 de Setembro;
Acto Legislativo: Decreto; nº 19/2006; 18/07/2006*
As informações recolhidas apontam para um contexto arqueológico de inumação. Algum tempo antes tinham sido encontradas, a uma distância de 100 metros do local, duas urnas funerárias.
(2) - O Dr. José Leite de Vasconcelos foi o fundador e o primeiro director do Museu Nacional de Arqueologia, criado em 1893.