Curiosidades sobre a Central Térmica de Caniços

     O mesmo grupo empresarial que fundou em Riba de Ave e em Bairro as fábricas têxteis Sampaio, Ferreira & Cª. (1896), Empresa Têxtil Eléctrica (1905) e Oliveira & Ferreira & Cª. (1909), interessou-se desde muito cedo pelo sector da produção de energia eléctrica. Assim, em Bairro, a Fábrica de Caniços foi idealizada para trabalhar a energia eléctrica produzida na própria fábrica, sendo inovadora neste aspecto. Depois o mesmo grupo construiu a central hidroeléctrica do Amieiro Galego, em 1909, para servir as fábricas de Riba de Ave.
     Mas a aposta na electricidade prosseguiria com a aquisição da Hidroeléctrica do Varosa, nas proximidades de Lamego, fundada em 1906, cuja energia vende na região e em Vila Real e depois leva ao Vale do Ave e ao Porto. Em 5 de Janeiro de 1929 entrou em funcionamento a Central Térmica de Caniços, de apoio e reserva à central hídrica do rio Varosa.
     O terreno para a construção da central de Caniços foi adquirido pela Companhia Hidroeléctrica do Varosa, representada por Narciso Ferreira, a José António Silva, conhecido na freguesia por Zé Lino, e mulher, Engrácia Ferreira da Silva, no dia 1 de Março de 1928. Trata-se de um terreno ou leira de mato denominado Tapada do Rio, situado no lugar de Caniços, que confrontava de nascente e norte com terreno da Companhia dos Caminhos de Ferro do Norte de Portugal, de poente com terrenos dos herdeiros de Basílio de Sá Carneiro e de sul com o rio Ave.
     O preço da venda foi de setecentos escudos. Pode surpreender-nos que o preço seja aparentemente tão baixo, mas é preciso atender a que a venda teve lugar em 1928 e que daí para cá a moeda sofreu uma grande desvalorização. Se tomarmos em conta os coeficientes de desvalorização da moeda que as Finanças utilizam para diversas situações, incluindo para o cálculo de mais-valias, o valor em 2019 correspondente aos 700$00 seria de 134 582$00, ou seja, cerca de 672,91 euros, visto que na Portaria nº. 362/2019, de 9 de Outubro, o coeficiente para o período de 1925 a 1936 é de 192,26, mesmo assim ainda um valor bastante baixo.
     Por outro lado, as obras da construção da central foram executadas pelo mestre pedreiro José António Silva, o mesmo que tinha vendido os terrenos, que talvez tenha feito esse negócio da venda do terreno em condições aparentemente pouco favoráveis por ter em vista outro objectivo: que a obra lhe fosse adjudicada.
     A escritura foi lavrada na residência de José António Silva, no lugar da Estrada, da freguesia de Bairro, pelo notário Jerónimo Pereira Gonçalves, e foi assinada pelas testemunhas, Narciso Pereira da Silva e Henrique Pereira da Silva, moradores em Bairro, e pelos outorgantes, com excepção da outorgante mulher, por declarar não saber escrever.
     A construção da central deve ter começado logo a seguir, visto que foi inaugurada menos de um ano após a compra.
     Johann Gottfried Kull, nascido a 02.01.1899, no cantão de Zurique, Suiça, que desde 1923 veio algumas vezes a Portugal para realizar trabalhos de montagem de equipamentos originários daquele país para a produção de energia eléctrica em diversas fábricas têxteis do vale do Ave, conhecido de Narciso Ferreira, foi convidado por este para assumir a direcção técnica da nova central, que aceitou. Aqui permaneceu muitos anos, casou com Júlia Arminda da Silva Oliveira, nascida a 4.12.1911, em Rebordões, e aqui viria a falecer em 1952.
     O combustível para alimentar as caldeiras da central e colocar as turbinas em movimento era o carvão, que vinha das minas de S. Pedro da Cova, no concelho de Gondomar, e de outras proveniências em vagões pelo caminho de ferro até à estação de Caniços, onde era pesado e descarregado. Havia para o efeito um modelo de ficha, que deveria ser preenchido relativamente a cada vagão de carvão recebido, em que era indicado o peso, a qualidade do produto, a data da chegada e outros elementos para posterior controlo da facturação.
     Havia um problema que os promotores deste investimento tiveram que resolver: a central foi construída num terreno encravado entre o rio, a linha férrea e terrenos para nascente da Companhia dos Caminhos de Ferro e para poente dos herdeiros de Basílio de Sá Carneiro, da quinta de Pereira. Tudo indica que desde o início terá havido um acordo para permitir o acesso à central pelo lado poente, mediante a prestação de diversas contrapartidas. Mais tarde, em 1939, Vitória Ferreira Lopes de Sá Carneiro Mascarenhas e o marido João da Costa Mascarenhas, herdeiros de Basílio de Sá Carneiro, venderam à Companhia Hidroeléctrica do Varosa duas parcelas de terreno a mato com metade de um açude, «o segundo acima da ponte de Caniços». Estas duas parcelas de terreno tinham uma área total de cerca de 8500 metros quadrados. Neste contrato de compra e venda diz-se «que de conformidade com o que entre os outorgantes está de há anos estabelecido e parcialmente executado, a Companhia compradora renova nesta escritura o seu compromisso», enumerando de seguida as contrapartidas a que ficava obrigada. Resumidamente, pode dizer-se que ficava a seu cargo a instalação de uma bomba e respectiva canalização para tiragem e elevação de água do rio Ave até dois tanques na Quinta de Pereira, um na Quinta de Baixo e outro na Quinta de Cima, bem como a construção de «um tanque com uma capacidade de 200 pipas, no ponto mais alto da bouça sita no cimo do Campo de Bouças e Rodo». Para além disso, teria que instalar uma linha para fornecimento de energia para iluminação, «até às portas das casas da Quinta de Baixo e da Quinta de Cima» e ainda mais alguns encargos, havendo uma cláusula penal de 500$00 por cada mês de atraso no cumprimento das obrigações assumidas, prazo que começava a contar a partir de 30 de Junho de 1939. O preço do negócio foi fixado em 20000$00, o que, de acordo com a portaria acima mencionada, teria um valor equivalente em 2019 de 3734200$00, ou seja, cerca de 18671 euros, visto que o coeficiente para o período 1937-1939 é 186,71.
     No açude atrás referido havia «um moinho demolido de 4 pedras ou mós» e no outro açude, no lugar designado por Penalta, também havia um moinho a que a empresa compradora até se obrigava a facultar o acesso aos vendedores, sinal de que não foi vendido nesta altura. Certamente terá sido vendido em data posterior, que desconhecemos. O que sabemos é que em 1904 um destes moinhos tinha sido objecto de obras, para lhe ser colocado um novo telhado de colmo, pelo que teve que se apresentar um projecto de que fazia parte um desenho, que abaixo reproduzimos. Nesse desenho indica-se que o moinho ficava no lugar da Ponte. Estes moinhos do lado de Bairro e os que havia do lado de Rebordões, assim como os dois açudes, foram todos demolidos durante os anos 40 e 50 do século passado.
     Em 1942, por pressão governamental, nomeadamente do ministro Duarte Pacheco, foi decidida a fusão da Hidroeléctrica do Varosa com a Hidroeléctrica do Ermal, esta concebida como uma cascata de quatro barragens no rio Ave (Guilhofrei, Ermal, Ponte da Esperança e Senhora do Porto), constituindo-se a CHENOP - Companhia Hidroeléctrica do Norte de Portugal. A escritura da constituição desta sociedade teve lugar em 29 de Março de 1943.
     Pouco mais de um ano depois, em 27.04.1944, a Companhia dos Caminhos de Ferro do Norte de Portugal vendeu à CHENOP duas faixas de terreno em Caniços, a nascente da central, entre a linha do caminho de ferro e o rio Ave, com uma área total de cerca de 1535 metros quadrados. Tratava-se de terrenos que tinham sido adquiridos na altura da construção da linha do caminho de ferro em 1883 ou antes, mais tarde considerados sobrantes, que desde 15.12.1930 tinham estado arrendados por aquela Companhia dos Caminhos de Ferro à Hidroeléctrica do Varosa. O contrato de compra e venda tem muitas outras cláusulas que seria fastidioso enunciar aqui de forma exaustiva.
     Agora a Central Térmica de Caniços estava integrada num conjunto mais amplo e, por isso, perdeu importância como apoio à central do rio Varosa, a central do Chocalho, que foi ampliada em 1970. Deixou de se produzir energia eléctrica em Caniços. Mas a subestação anexa à central manteve-se em actividade, assim como se mantiveram em funcionamento alguns serviços administrativos e outros. Em 1973, a CHENOP ainda mantinha em Caniços 240 empregados, segundo apurou António Martins, que foi presidente da Junta de Freguesia.
     Em 1976, a CHENOP e outras empresas do sector eléctrico foram nacionalizadas e integradas na EDP. Mais tarde, os serviços que funcionavam em Caniços foram transferidos, juntamente com o pessoal que os prestava, para outras localidades, pelo que, actualmente, o edifício da antiga central não tem qualquer actividade: está em degradação, completamente abandonado e sem qualquer serventia.

DCP