Revisitando o passado pelos topónimos

          Embora esteja comprovado o povoamento do território da freguesia de Bairro pelo menos a partir de há cerca de três mil anos, não é possível saber como se chamava o lugar então povoado. A primeira referência escrita que se conhece ao espaço que hoje é a freguesia de Bairro data de há mais de 900 anos, ainda antes da fundação da nacionalidade. Trata-se do Censual de entre Lima e Ave, elaborado no tempo de bispo de Braga D. Pedro, talvez em 1085. O referido censual não é mais que uma lista das paróquias existentes entre os rios Lima e Ave, ao tempo do governo da diocese do referido bispo.

     Nesse documento são mencionadas quatro paróquias que se situavam dentro do território que hoje é a freguesia de Bairro. Os nomes dessas quatro paróquias constituem os quatro topónimos mais antigos que se conhecem da freguesia. São eles S. Fins de Riba de Ave (Sancto Felice de Ripa de Ave), S. Julião de Matamá (Sancto Juliani de Mata Mala), Santo Estêvão de Natal (Sancto Stephano de Natal) e S. Pedro de Ranulfi (Sancto Petro de Ranulfi). Com excepção da primeira, a localização das igrejas dessas paróquias e dos povoados correspondentes é conhecida. Assim, S. Julião de Matamá ficaria no lugar ainda hoje designado do mesmo modo, S. Estêvão de Natal ficava situada onde hoje se encontra a igreja chamada de Sanfins e S. Pedro de Ranulfi era a paróquia que tinha a sua sede na hoje chamada Igreja Velha. 

     Quanto a Sanfins de Riba de Ave, não se sabe qual era exactamente a localização da respectiva igreja e centro da povoação. Talvez se situasse nas proximidades da quinta do Olival. Se Almofães chegou a integrar a freguesia, hipótese que não é descabida, também é possível que tenha sido aí o núcleo originário da paróquia e a sua igreja. Ao certo não se sabe, mas acredito mais na primeira hipótese que na segunda. Nem sequer se sabe quem é exactamente o seu orago. Para uns S. Fins é o nome português de S. Félix, que, juntamente com S. Narciso, bispo de Braga, de quem era discípulo, teriam sido martirizados em Gerona. Alguns afirmam que era natural do Minho. A sua festa tinha lugar a 1 de Agosto. Também há quem identifique S. Fins com S. Félix de Nola, que nos calendários litúrgicos hispânicos se comemorava a 27 de Junho. Este nasceu no século III, em Nola, perto de Nápoles. Esta hipótese deve ser rejeitada no que respeita à paróquia de Sanfins, podendo ser válida para outras com o mesmo nome. 

     O culto ao mártir de Gerona desapareceu entre nós pelo século XVI por ter sido suplantado pelo culto a S. Pedro, cuja festa, introduzida com o rito romano, era também no dia 1 de Agosto, criando-se, em geral, um vocábulo híbrido nas freguesias que o tinham como orago - S. Pedro Fins ou S. Pero Fins, para indicar o novo orago. Por isso, a freguesia é em alguns documentos antigos designada desse modo. Mas, trata-se de um equívoco no caso da paróquia de Sanfins de Riba de Ave, porque, no século XVI, o seu orago já não era S. Fins, mas Santo Estêvão, cuja festa se comemora a 26 de Dezembro. 

     É que a freguesia de S. Fins de Riba de Ave fundiu-se com a de Santo Estêvão de Natal entre os séculos XI e XIII. A nova freguesia manteve o nome da primeira, mas a sua igreja e orago passaram a ser os da segunda, ou seja, a paróquia de S. Fins de Riba de Ave viu o seu território aumentado, a igreja passou a ter a localização da que servia a paróquia de Santo Estêvão, que se tornou igualmente o seu novo orago. Esta é a razão por que uma paróquia da invocação de um santo (S. Fins) teve como orago outro santo (Santo Estêvão), o que pode intrigar quem não conheça estes factos.

     Em diversos documentos antigos, a freguesia de Sanfins é referida do modo seguinte: em 1220, nas Inquirições de D. Afonso II, «De Sancto Felice de Ermofaes (Armofaes e Armofoes)», com as herdades de «Legundia», «Pereira» e «Ulvar»; em 1258, nas Inquirições de D. Afonso III «In collacione Sancti Felices de Rippa Ave»; em 1290, «Freguesia de Sam Fiinz de Riba dAve»; em 1320, «Ecclesia Sancti Felices de Ripa Ave ad viginti libras»; 1372, «Ecclesia Sancti Felices Ripa Ave in primo termino LVIII solidos; 1400, o «abbade de Sam Finz» era cónego de Nandim ( 1º. Most., fl. 36); 1493, no Censual de D. Jorge da Costa, «Saam Finz»; 1520 e 1551 « Riba dAve Sam Finz»; 1528 «S. Finz dAve [anexa] a S. Simão de Novais». No século XVIII, era um curado de Landim. 

     Os mesmos documentos, referem-se à freguesia de Bairro conforme segue: em 1220, «De Sancto Petro de Barrio (Barrios) de Novaes (Riovaes)»; 1258, «In collacione Sancti Petri de Barrio»; 1290, Freguisia de Sam Pedro de Barro»; 1320, «Ecclesia Sancti Petri de Barro ad quadraginta libras»; 1372, «Ecclesia Sancti Petri de Bario in primo termino VIII libras, IIII denarios»; 1493, no Censual de D. Jorge da Costa, «Sam Pedro de Bayro»; 1528, «S. Pedro de Bairro rende XIX; 1551, «Bairro S. Pedro».

     Quanto às freguesias de S. Julião de Matamá e Santo Estêvão de Natal, extinguiram-se entre o século XI e o século XIII. A primeira foi integrada uma parte em Bairro e outra parte em Sanfins. A segunda, como já foi explicado, fundiu-se com a de Sanfins. Há notícia de que em tempos foram encontrados alguns pedaços de colunas e capitéis em Matamá, que se julga terem pertencido à antiga igreja de S. Julião.

     No que respeita à freguesia de Sanfins, as Inquirições de 1220 referem os topónimos Legundia, Pereira e Ulvar. As Inquirições de 1258 acrescentam outro: Outeiro, embora desconheça a que propriedade se refere. Existe uma quinta do Outeiro, na Carreira, que poderia naquela altura pertencer a Sanfins. Também referem a existência de nove casais reguengos, isto é, pertencentes à coroa, o que pode estar na origem do topónimo Reguengo, que recentemente foi riscado da toponímia, sem que se compreenda a razão disso. É curioso que também Olival foi riscado e preterido por Alminhas. O mesmo topónimo foi recuperado pela Carreira, onde é nome da rua que liga a Bairro. Diga-se, de passagem, que as Inquirições de 1220 já mencionam Olival, sob a forma arcaica de Ulvar.

     Na freguesia de Bairro, em 1220, são referidos Fontão, Guia de Bairro e Agro Meão (Agro Mediano), embora não se saiba exactamente a que propriedades se referem. Fontão deveria ficar na margem do ribeiro que vem de Delães e atravessa a freguesia, passando nas proximidades da igreja velha, visto que fontão significava isso mesmo, uma fonte grande, um curso de água, um riacho. As Inquirições de 1258, acrescentam Caparim e Transfontão (transfontano). Se fontão está relacionado com o ribeiro, transfontão também está. Significa o que está para além do fontão, do riacho. Em Bairro, contrariamente ao que sucedia em Sanfins, nada havia da coroa, mas algumas propriedades sujeitas a foros, o que denuncia a presença de vilãos herdadores, uma vez que é referida a fossadeira de vários casais. A igreja de S. Pedro possuía uma casa e vários casais. Os mosteiros de Landim e de Santo Tirso também possuiam bens em Bairro. 

     É preciso notar que as Inquirições não tinham o propósito de inventariar os lugares ou os topónimos da freguesia e, por isso, é possível que alguns topónimos não mencionados em 1220 ou 1258 já existissem.

     As Memórias Paroquiais de 1758, no que respeita a Sanfins, indicam os lugares povoados, começando pelo principal «Sam Fins de Riba de Ave», e as aldeias de Matamá, Olival, Barreiro, Pereira e Casa Nova. Referem também a existência de mais dois lugares, na altura ainda não povoados: Lagoços e Saltos. O primeiro era um monte com carvalhos e mato e no segundo havia uma ponte de madeira, que permitia a passagem para Rebordões. Não são mencionados os lugares de Pombal ou Caniços, indício seguro de que na altura ainda não eram povoados, embora o topónimo Canizo, que deve estar na origem de Caniços, já existisse. Era o nome de uma pesqueira referida nas Inquirições de 1258 da freguesia de Rebordões, em frente a Sanfins e Sequeirô. O lugar e o seu nome deviam ser comuns às três referidas freguesias.

     As mesmas Memórias Paroquiais, no que se refere a Bairro, apontam os seguintes onze lugares: Assento, Pousada, Caparim, Outeirinho, Regalo, Matamá, Pinheiro, Transfontão, Monte, Bairro e Vila Verde. Mas referem outros lugares não povoados, como os montes de Lagoços e Lages. Curiosamente também indicam como pertencente a Bairro parte do monte de Cerqueda, que hoje é tido como sendo na totalidade de Delães, o que levanta sérias dúvidas sobre os limites da freguesia, que não terão sido devidamente defendidos e acautelados em algum momento.

     No Censo de 1879, citado em «O Minho Pitoresco» por José Augusto Vieira, a freguesia de Bairro e Sanfins, como então se chamava, devido à fusão que teve lugar alguns anos antes, tinha «290 varões, 347 fêmeas» e «148 fogos» e os lugares onde habitavam essas 637 pessoas eram os seguintes: Bairro, Pousada, Caparim, Regalo, Outeirinho, Bouça, Lagoços, Pinheiro, Transfontão, Boa Vista, Monte (de Bairro), Pedreira, Azenhas, Villa Verde, Ribeira, Assento, Matamá, Olival, Pereira, Casa Nova, Eirado, Ponte, Estrada, Azenha, Pombal, Sanfins, Poço, Penedo do Mocho, Monte (de Sanfins) e Lagoa.

     A toponímia é duma maneira geral pouco expressiva de antiguidade, embora com algumas excepções, como é o caso de Assento ou Bairro, de que nos ocupamos noutros artigos deste mesmo site. Refira-se o caso da antiga designação da freguesia como S. Pedro de Ranulfi. Já foi dito que Ranulfi  se julga ser um topónimo de origem germânica. Haveria nas proximidades da igreja uma exploração agrícola, uma villa, pertencente a um indivíduo chamado Ranulfus, de que Ranulfi é o genitivo. Esse termo passou a designar o lugar e até a paróquia em que o mesmo se situava, muitos anos ou séculos depois da morte do referido indivíduo. Há muitas situações semelhantes em algumas freguesias vizinhas, o que não deve admirar-nos, visto que esta região teve uma forte presença de suevos no século V, que fundaram um reino com capital em Braga. Diz-se que o nome da freguesia de Requião deriva de Requila, um dos reis suevos. Também o topónimo Caparim pode ser de origem germânica, aparentando ser o genitivo de um nome pessoal.

     O topónimo Almofães, segundo alguns o genitivo do antropónimo germânico Ermulfus, pelo que significa a terra, a quinta ou a propriedade de Ermulfo, é referido no nome da paróquia de Sanfins pelas Inquirições de 1220, o que parece indicar que aquele lugar lhe tivesse pertencido no passado ou, mais provavelmente, ser um determinativo de fins distintivos, devido à proximidade dessa povoação. Porém, nessa altura, pertencia a Sequeirô, mas fora do Couto de Landim, que aquela freguesia então integrava. Esse lugar foi a sede da antiga paróquia de S. Tiago de Almofães (Sancto Jacobi de Armulfanes), que se fundiu com a da Carreira (Carraria), a que deu o hagiónimo S. Tiago (Sanctus Jacobus). Assim, a freguesia da Carreira terá sido a maior beneficiária do desmembramento de Almofães, mas parece que Sequeirô e até Sanfins terão ficado com pequenas partes do que lhe pertencera. Pode vir daí a referência a Almofães no nome da paróquia de Sanfins pelas Inquirições de 1220. Segundo o rol de desobriga da freguesia da Carreira, a capela de Santiago passou a igreja paroquial no século XVIII, por se ter arruinado a antiga igreja. 

     Lagoços é referido nas Memórias Paroquiais como pertencente a Bairro e a Sanfins, isto é, ficava entre as duas freguesias. Ao que tudo indica, tratar-se-ia de um baldio, de que beneficiavam os moradores de ambas as freguesias, onde obtinham lenha, caçavam e levavam o gado para os pastos que lá havia. Era uma mancha florestal que se estendia desde o Monte de Sanfins, abarcava grande parte dos terrenos que hoje integram a quinta da Bouça, os terrenos que circundam a igreja, todo o actual lugar de Lagoços e parte de Pombal até ao rio Ave. Segundo o testemunho do pároco de Sanfins, tratava-se de «um monte plano (...), que tem carvalhos de lenhas e matos que servem para os pastos dos gados e estrumes das terras dos quais se aproveitam os lavradores cada um na sua divisão, porém são públicos para os animais e serventias dos povos». Ou seja, apesar de se tratar de um espaço público, os lavradores já tinham conseguido colocar divisões e, tudo o indica, acabaram por se apropriar desse domínio público, o que de resto aconteceu um pouco por toda a parte.

     Muitos topónimos usados durante séculos estão a cair no esquecimento. Para além dos casos já atrás referidos de Olival e Reguengo, também se pode mencionar Eirado, Casa Nova, Poço, Penedo do Mocho, Paraíso, Monte, Azenhas e até Bairro, que grande parte dos bairrenses não saberão onde fica. Outros como Montinho ou Vilares também estão em vias de extinção. Embora não muito referidos nos registos paroquiais de baptismos, casamentos e óbitos, eram bem conhecidos da população. Já os lugares de Cruz e Bouça surgem muitas vezes nos livros de registos paroquiais. O segundo parece ter sido criado apenas no século XVIII e substituiu o primeiro,  pelo menos é o que transparece daqueles registos paroquiais.

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