Sobre as origens do topónimo Bairro

     A palavra bairro significa actualmente cada uma das divisões de uma cidade ou povoação. Também se usa a palavra bairro  com o sentido de casario, aglomerado populacional.  Na periferia das grandes cidades são vulgares os «bairros» na toponímia citadina em que figura a palavra Bairro com qualificativos e determinativos que evidenciam uma existência recente ou não muito antiga: Bairro do Aleixo, Bairro de Camões ou Bairro do Pe. Américo; mas já em Bairro de Eiró, Bairro do Vale, Bairro do Mogo, etc., rescendem a rural, a campesino, à antiguidade das povoações. 

     No Norte de Portugal abundam os nomes de lugares denominados Bairro, Bairros, Bairral e Bairrais. Também se encontram as formas Barria, Barrô, Barrins ou Barrinho. Um pouco mais para Sul, encontramos Bairrada, Bairradas, Bairradinha. Todos estes nomes são geralmente derivados de «bairro», que se supõe vir do árabe barrí, com o sentido de exterior, subúrbio, arredores e também de lugar inculto. Certamente os topónimos Bárrio, Bárrios e ainda Barriosa e até Barromau ou Barrimau («bárrio mau») , que se encontram apenas no Norte de Portugal, sendo especialmente abundante Bárrio, são o mesmo que, posteriormente, por evolução fonética - atracção do - i - pela tónica -, deu Bairro e Bairros, de que Bárrio e Bárrios representam arcaísmos, em alguns casos mantidos, como é o caso da freguesia de Bárrio, no concelho de Ponte de Lima.

     No Norte de Espanha, o topónimo Bárrio também é muito frequente, mas, ao contrário do que aconteceu em Portugal, não evoluiu para Bairro, manteve sempre a forma original.

     Evidentemente que a significação actual do vocábulo «bairro» é muito diferente do arcaico «bárrio», quer a sua origem seja arábica ou não. Provindo «bairro» do arcaico «bárrio» como parece não oferecer dúvidas, não sendo possível que a moderna acepção do termo nada tenha de comum com a antiga, e porque os bárrios são partes de uma «villa» (vizinhanças de um local povoado e agricultado, de uma povoação), talvez deva concluir-se que se tratava de locais incultos, mas com condições de cultura (qualidade do terreno, águas, etc.), nas proximidades de uma povoação. Esta significação ajusta-se perfeitamente ao que se passava na freguesia de Bairro, do concelho de Vila Nova de Famalicão. Existia uma povoação nas imediações da igreja de S. Pedro, a agora chamada Igreja Velha, e nas proximidades havia um terreno, na altura inculto, que por isso mesmo se chamava Bárrio e que, mais tarde, se chamou Bairro, que corresponde ao lugar que até aos nossos dias manteve essa designação. De facto, se consultarmos, por exemplo, os Censos da População, verificamos que é mencionado um lugar na freguesia de Bairro que também ele se chamava Bairro, à semelhança do que acontece com outras freguesias de Vila Nova de Famalicão, como Esmeriz, Jesufrei, Joane ou S. Cosme do Vale.

     No século XI, a paróquia chamava-se S. Pedro de Ranulfi, como vem designada no Censual do bispo D. Pedro. Entre os séculos XI e XIII, em atenção ao facto de haver no perímetro da paróquia um bárrio, isto é, um terreno inculto, mas com aptidão para a agricultura, no exterior da povoação, esta passou a designar-se por S. Pedro de Bárrio. Não se sabe o motivo do topónimo Ranulfi ter sido substituído pelo topónimo Bárrio. Pode ser que tenha sido com o propósito de distinguir o nome da paróquia de outras com designações semelhantes, como é o caso de Ronfe, que evoluiu igualmente a partir Ranulfi ou Ranufi.

     Importa referir que outros autores, como Fr. Joaquim de Santa Rita Viterbo, em «Elucidário das Palavras, Termos e Frases que em Portugal antigamente se usaram... », pensam que o termo bairro provém do latim barrium ou varrium para étimo de «barro», que se vê ser o mesmo de «bárrio» (e «bairro»), significando lugar pequeno, quinta, aldeia, casa de campo ou abegoaria, o que é bastante contrário ao exposto acima, parecendo, porém, dever admitir-se estes sentidos dos termos numa época em que já os locais assim denominados estavam cultivados e povoados.

     A palavra «barro», no sentido de argila, terra amassável própria para trabalhos de olaria, provém do latim barru.

     Assim, o termo «barro» tem sentidos diferentes, mesmo que se admita que provém do latim. Tem o sentido de quinta ou lugarejo e, por outro lado, terra amassável para trabalhos de olaria. No nome da freguesia de Bairro, mesmo que se admita a proveniência do latim, é obviamente no primeiro sentido que terá sido utilizado.

     Daí que o facto de a freguesia ser designada em alguns documentos antigos, de 1290 e 1320, por Sam Pedro de Barro ou Sancti Petri de Barro não significa que abunde essa matéria prima, nem constitui suporte documental bastante que permita dizer que houve aqui fortes tradições artesanais no que toca ao barro e à cerâmica. Em outros documentos ainda mais antigos, como o são as Inquirições de D. Afonso II e D. Afonso III, de 1220 e 1258, a freguesia é designada, respectivamente, por Sancto Petro de Barrio de Novaes e Sancti Petri de Barrio, donde se tira que a evolução foi:

Barrio => Barro => Bairro

e não outra. Por outro lado,  nesses documentos, assim como nas Memórias Paroquiais de 1758 ou nos registos paroquiais de baptismos, casamentos ou óbitos, não encontrei nenhuma referência a qualquer actividade ou profissão relacionada com o barro ou com a cerâmica. Por isso mesmo, a roda de oleiro que aparece no brasão de armas da freguesia é pura e simplesmente despropositada e susceptível de induzir em erro por se inculcar a ideia peregrina, que alguns propalam, de que o termo bairro usado na designação da freguesia resulta de barro, no sentido de terra amassável para trabalhos de olaria, o que, como se mostrou, não tem cabimento. Faria muito mais sentido colocar no seu lugar algo relacionado com a indústria têxtil, visto que é uma actividade com tradição na freguesia desde tempos imemoriais, pelo menos desde as inquirições afonsinas de 1220, em que, em Bairro e em Sanfins, se pagava foros e rendas em varas de tecido de linho, o que significa que, nessa altura, já aqui se cultivava, fiava e tecia. Acresce que, pelo menos a partir dos inícios do século XX e durante mais de um século, foi a actividade económica dominante na freguesia e o sustento de milhares de pessoas.