António Pinheiro de Sousa, o último ferreiro de Bairro

O ferro é uma das matérias-primas mais importantes e ao longo da história tornou-se uma das bases de desenvolvimento dos povos. O uso generalizado do ferro, quer no fabrico de armas como de utensílios da vida quotidiana, designadamente na agricultura e na construção civil, trouxe grandes modificações sociais e civilizacionais entre os povos que, pouco a pouco, foram adoptando esta nova técnica metalúrgica.

Os dados arqueológicos sugerem que, possivelmente, essa técnica terá sido descoberta na Anatólia, onde o minério de ferro era aquecido em cadinhos de barro a que se juntava uma certa quantidade de lenha, tapando-os com folhagem fresca e com argila. O ferro saído dos cadinhos ficava muito duro, porque absorvia o carbono da lenha. As primeiras adagas e espadas feitas com este ferro duro surgem entre 1200 e 1000 a. C. Daqui a nova tecnologia passou à Síria, Irão, Índia e Palestina, cerca de 1000 a. C. e terá chegado à Península Ibérica entre 800 e 700 a. C., onde eram famosas as armas produzidas em Toledo. Os cartagineses comandados por Aníbal Barca usaram armas de grande qualidade fabricadas nesta cidade nas Guerras Púnicas, que travaram contra os romanos, em 218 a.C.

A Idade do Ferro representou um grande avanço em relação ao período anterior (Idade do Bronze), pois o ferro é muito mais resistente, eficiente e barato nas suas aplicações. O uso do ferro no fabrico de utensílios utilizados na agricultura (enxadas, machados, arados…) possibilitou um significativo aumento da produção de alimentos. Também trouxe uma melhoria significativa na construção de casas, de estradas ou de pontes, pelo uso cada vez mais intenso de máquinas e ferramentas onde este metal se tornou imprescindível.

A metalurgia do ferro implicou a criação de uma nova profissão: a do ferreiro. Antigamente não havia cidade, vila ou aldeia que não tivesse um ou mais ferreiros, que gozaram no passado de grande prestígio. Bairro também teve os seus ferreiros, de que os livros de registo de baptismos, casamentos e óbitos dão conta, o último dos quais se chamava António Pinheiro de Sousa. Nasceu no dia 28.10.1899, embora na lápide existente no cemitério seja indicada a data de 29.10.1899. Era filho de Jerónimo José de Sousa, também ferreiro, e de Ludovina Pinheiro da Costa, tecedeira, ambos naturais da freguesia de Bairro, neto paterno de Francisco José de Sousa e Joaquina Rosa e materno de Jerónimo Pinheiro e de Rosa da Costa. Casou com Júlia Ferreira da Silva (1909-1964).

Conheci muito bem este homem e várias vezes estive na sua oficina junto à estrada, entre o actual Centro Social e o edifício das Varandas do Ave. Na sua oficina, semelhante às da Idade Média ou até de tempos mais recuados, havia uma forja sobre a qual soprava ar proveniente de um grande fole e um pequeno tanque com água. Colocava-se sobre as brasas de carvão mineral a peça de ferro que se pretendia trabalhar. Quando a peça ficava de cor vermelha ou alaranjada, era colocada sobre a bigorna, onde lhe era dada a forma desejada, usando martelos e outras ferramentas. Depois era arrefecida no tanque. Nestas oficinas faziam-se portões e grades e outros trabalhos em ferro forjado, mas os clientes mais frequentes eram os pedreiros, que pretendiam aguçar os picos, brocas e cinzéis e os lavradores para consertarem as suas alfaias.

Pelos anos 50 do século passado ter uma roda de verguinha de ferro, que se conduzia com um guiador de arame, era a ambição de qualquer rapaz. Eu também tive essa ambição. Um dia alguém me deu um pedaço de verguinha de ferro, que terá sobrado de alguma obra. Eu sabia que o senhor António Ferreiro tinha feito algumas rodas e que o fazia sem nada cobrar. Então dirigi-me à sua oficina para que ele transformasse aquele pedaço de ferro na roda de chiar dos meus sonhos. Vendo-me chegar, perguntou-me:

- O que queres, menino?

- Queria que me fizesse uma roda.

Disse-me que sim, mas só depois de concluir o trabalho que estava a fazer. Entretanto, perguntou-me:

- Já ouviste cantar o cuco este ano?

- Não, ainda não ouvi - respondi. Ao que ele ripostou:

- Então, ainda vais ouvir. Fica atento!

Eu lá fiquei à espera da minha vez e que cantasse o cuco, observando maravilhado os trabalhos que ele ia executando. Depois de esperar pacientemente durante muito tempo, por fim o ferreiro pegou no pedaço de ferro que eu tinha levado e começou a esboçar com ele a forma de uma roda. A princípio era uma roda muito irregular, muito torta. Mas, pouco a pouco, ia ganhando forma. Quando as duas pontas ficaram próximas uma da outra, levou-as ao fogo até ficarem incandescentes. Depois, na bigorna, batendo com o martelo, uniu uma ponta à outra. Mais meia dúzia de marteladas e ficou uma roda perfeita, à medida dos meus sonhos. Durante muito tempo essa roda foi o meu brinquedo preferido e leva-a comigo para onde quer que eu fosse.

Na imagem abaixo pode ver-se como era uma oficina de ferreiro.

Nenhuma descrição de foto disponível.