D. Rui Gonçalves de Pereira

     Uma das ruas da freguesia de Bairro tem o nome de D. Rui Gonçalves de Pereira, embora no código postal ou nos mapas da Google seja mencionada erradamente como Dr. Rui Gonçalves de Pereira, trocando o seu título nobiliárquico por um título académico que não tinha.

     Segundo variadíssimos autores, teve na extinta freguesia de Sanfins de Riba de Ave a posse da quinta de Pereira, em que terá sucedido a seu pai, D. Gonçalo Rodrigues de Palmeira. Nos livros de linhagens do século XIV é chamado umas vezes D. Rodrigo Gonçalves outras vezes D. Rui Gonçalves. De facto, o nome Rodrigo faz parte da onomástica do português e do castelhano, mas tem origem germânica, sendo derivado do nome Roderick, que no latim foi adaptado para Rodericus. A partir da mesma origem, surgiu na Idade Média o nome Rui, variante que era um diminutivo de Rodrigo, também grafado na época na forma Roi ou Roy, depois transformado em Ruy. Hoje, Rui e Rodrigo são no português nomes distintos; na Idade Média o nome Rui era apenas uma forma abreviada do nome Rodrigo. Daí que em documentos da Idade Média por vezes se use indistintamente um ou outro.

     Jerónimo Pardo (Valladolid,11.02.1672 - Madrid, 10.06.1740) nas «Excelências de S. Tiago (...)», pag. 414, afirma ter sido ele o primeiro que usou o apelido Pereira. Também António Peixoto de Queirós Vasconcelos num livro manuscrito de 1775 com o título de «Nobiliário das famílias ilustres de Portugal», tomo I da letra P, título dos Pereiras, que pode ser consultado no sítio do ANTT - Arquivo Nacional da Torre do Tombo, afirma que D. Rui Gonçalves de Pereira foi o primeiro que usou o apelido Pereira, tirado de uma quinta junto do rio Ave no Couto de Palmeira, freguesia de S. Pedro Fins onde havia uma torre de que ainda hoje se podem ver ruínas.

     Onde é essa freguesia de S. Pedro Fins do Couto de Palmeira? Nada mais nada menos que a freguesia de Sanfins de Riba de Ave, que depois se fundiu com a de Bairro. A Quinta de Pereira começou por pertencer à freguesia de Santo Estêvão de Natal, que durante o século XII se fundiu com a de Sanfins de Riba de Ave. A nova paróquia manteve a designação de Sanfins de Riba de Ave, mas a sua igreja passou a ser a de Santo Estêvão, que também se tornou o seu novo orago em substituição de S. Fins. Pela mesma altura, na Península Ibérica, o rito hispânico começou a ser substituído pelo rito romano, o que também implicou a substituição do respectivo calendário. A sobreposição de santos dos dois calendários acabou por originar a mudança de oragos de algumas igrejas. Por exemplo, no dia 1 de Agosto era a festa litúrgica de S. Fins pelo calendário hispânico, mas no calendário romano era a festa de S. Pedro ad Vincula. Daí que as paróquias chamadas até então de S. Fins ou Sanfins, passaram a ter como orago S. Pedro e tomaram a designação de S. Pedro Fins. Ainda hoje subsistem algumas designadas deste modo. No caso da paróquia de Sanfins de Riba de Ave isso não se justificava, visto que o orago, como se explicou atrás, já não era S. Fins, mas Santo Estêvão. Apesar disso, em alguns documentos é designada assim. Daí que, tendo em conta este quadro, nos registos paroquiais, os párocos que lhe chamavam de início Sanfins de Riba de Ave, passaram a chamar-lhe Santo Estêvão Fins de Riba de Ave, embora o povo nunca tenha deixado de chamar-lhe apenas Sanfins, como ainda hoje é conhecida.

     As ruínas a que o texto alude ainda hoje lá estão, embora a hera, as silvas e outra vegetação que as cobrem pouco deixem ver. Ficam na Quinta de Pereira junto à rua de D. Rui Gonçalves Pereira, na freguesia de Bairro, perto do portão que fica em frente da rua de Pereira.

     Sabe-se muito pouco da vida deste antepassado de D. Nuno Álvares Pereira, que os genealogistas afirmam ser seu tetravô, o que é muito duvidoso. Pode ser antepassado de D. Nuno, mas não seu tetravô. 

     Os livros de linhagens, que são marcados pela alternância entre a descrição genealógica propriamente dita e narrativas de natureza diversa, deixam dele algumas referências, como a de que «era de vinte anos e com o seu poder foi em muitas fazendas, e diziam por ele as gentes que nunca viram tais vinte anos». Certamente a partir daqui, Pinho Leal tirou a ideia de que participou na batalha de Navas de Tolosa de 1212 e que nasceu em 1192, o que é falso. Também se diz que esteve com seu pai em muitas batalhas e que foi alcaide do castelo de Lanhoso. Casou a primeira vez com D. Inês Sanches. Estando ela no dito castelo «fez maldade com um frade do mosteiro do Bouro». D. Rodrigo Gonçalves quando soube «cerrou as portas do castelo e queimou a mulher, o frade, criados, bestas, cães, gatos e galinhas e todas as coisas vivas (...) e quando lhe perguntaram porque queimara os homens e mulheres, ele respondeu que aquela maldade havia dezassete dias que se fazia e que não podia ser que tanto durasse que eles não entendessem alguma coisa em que pusessem suspeita, a qual suspeita eles deveriam descobrir». Esta narrativa visa certamente confirmar a sua honra e ajuda a delinear a sua personalidade, destacando o valor da sua linhagem, ao mesmo tempo que deprecia a honra da esposa adúltera e de seus eventuais filhos e netos, que os livros de linhagens nem sequer mencionam.

     O livro de linhagens do conde D. Pedro, filho bastardo de D. Dinis, que teve algumas refundições, foi escrito no século XIV, muito tempo depois da ocorrência destes factos e a sua veracidade suscita muitas dúvidas, tanto mais que se sabe que D. Vasco Gonçalves de Pereira e um outro D. Rui Gonçalves de Pereira, irmão e meio irmão do bispo de Braga D. Gonçalo Gonçalves de Pereira, avô de D. Nuno Álvares Pereira, eram vassalos do conde, e talvez lhe tenham feito chegar muitas das tradições familiares da família Pereira, que abundam no seu livro de linhagens. Além disso, também se diz que D. Álvaro Gonçalves Pereira, prior da Ordem dos Hospitalários, pai do condestável, foi patrocinador de uma das refundições do livro de linhagens.

     Assim, o que os livros de linhagens dizem da família Pereira não é digno de total crédito. Contudo, há outra informação bem mais credível que se colhe das inquirições que os reis D. Afonso II e D. Afonso III mandaram fazer em 1220 e 1258, respectivamente. Se consultarmos as inquirições respeitantes à freguesia de Esmeriz percebe-se que D. Rodrigo Gonçalves de Pereira faleceu antes de 1220 e, que seu filho D. Pedro Rodrigues de Pereira ainda era vivo em 1220 e que faleceu antes de 1258. Nas actas da dita freguesia diz-se: «passando a referir-se, em seguida, aos foros e dádivas, (os inquiridos) declararam que nessa colação ou igreja costumava entrar o mordomo, mas que desde que fez aí a sua quinta o senhor (domus) Rodrigo Gonçalves deixou de entrar nem entrava nesse momento; acrescentaram que pelos delitos não pagavam os delinquentes ao rei voz e coima, não se mencionando a favor de quem resultava essa multa». Pelas actas de 1258 ficamos a saber que «possuíam essa herança no momento os filhos de Pedro Rodrigues de Pereira e Vasco Lourenço da Cunha (...) que diziam que tinham carta dessa herança reguenga, mas que eles (os inquiridos) nunca a viram nem sabiam nada a tal respeito». E acrescenta «por morte desse Rodrigo Gonçalves, o seu filho Pedro Rodrigues veio ao lugar e começou a extorquir os herdadores de Esmeriz exigindo-lhes espáduas, fogaças, jeiras ou serviços e fazendo-lhes muitos danos». Pedro Rodrigues, pouco tempo antes de falecer, deu a Vasco Lourenço da Cunha metade destas não-direituras das próprias herdades dos lavradores». Parece que Rodrigo Gonçalves quis converter a quinta de Pereira de Esmeriz em honra. Seu filho, mais violento que o pai, é que terá conseguido a isenção

     As mesmas inquirições de 1220 e 1258 da freguesia de S. Fins de Riba de Ave informam que naquelas datas a herdade de Pereira estava na posse de Gonçalo Saamiriz de Pereira, personagem de que os livros de linhagens nada dizem. Será este Gonçalo Saamiriz descendente de Gonçalo Rodrigues de Palmeira e de Rodrigo Gonçalves de Pereira, que tinham sido senhores da referida herdade? Saamiriz aparenta ser um patronímico, pelo que significaria filho de Saamir ou Samir, nome nunca visto entre a nobreza peninsular descendente dos godos, mas vulgar entre árabes e mouros. Será Gonçalo Saamiriz antepassado de D. Nuno Álvares Pereira? Este terá sangue omíada? Não sabemos, mas sabemos que algo se esconde na sua genealogia. Por isso, voltarei a este assunto.

 
Nenhuma descrição de foto disponível.