Moradores da quinta de Pereira

     por Daniel Costa Pereira

     O primeiro morador conhecido da quinta de Pereira terá sido D. Gonçalo Rodrigues de Palmeira a quem D. Afonso Henriques, pelos valiosos serviços prestados, terá coutado as terras de Palmeira e Pereira, ambas no Julgado de Vermoim. Sabe-se que residiu em Palmeira mas, quase no final da vida, em 1177 ou mais provavelmente antes, doou o Couto de Palmeira ao Mosteiro de Landim e passou a residir na quinta de Pereira, em Sanfins de Riba de Ave. Após a sua morte, a mesma quinta teria passado para o seu filho mais velho, D. Rui Gonçalves de Pereira, que tomou o seu apelido do nome dessa quinta. Em «Portugal Antigo e Moderno» Pinho Leal afirma «foi nesta freguesia o mais nobre solar de Portugal fundado por D. Rui Gonçalves Pereira (o primeiro deste apelido)», embora se refira, erradamente, a S. Pedro de Riba de Ave.

     «Na quinta de Pereira morou D. Rui Gonçalves de Pereira, seu filho D. Pedro Rodrigues de Pereira, seu neto D. Gonçalo Pereira e seu bisneto D. Vasco Pereira; e a possuiram seus descendentes os senhores de Cabeceiras de Basto, por falta dos quais passou aos Almadas, que ao presente a logram». Quem o diz é Manuel de Souza da Silva (1649-1713), em «Nobiliário das Gerações de Entre-Douro-e-Minho», livro mais tarde publicado com anotações de Camilo Castelo Branco.

     As Inquirições de 1220 e de 1258, mandadas fazer por D. Afonso II e D. Afonso III, no que respeita à freguesia de Sanfins de Riba de Ave, deixam algumas dúvidas sobre a veracidade da afirmação daquele autor atrás citada, visto que referem o nome de Gonçalo Saamiriz de Pereira, o homem que respondia pela herdade de Pereira, onde certamente morava. Quem era este Gonçalo Saamiriz de Pereira? Devia tratar-se de um herdador de quem os genealogistas não falam. Mas, Saamiriz aparenta ser um patronímico, significa filho de Saamir, nome que nunca vi mencionado entre a nobreza peninsular goda, mas que é vulgar entre árabes e mouros. Será este Gonçalo Saamiriz de ascendência moura? Será antepassado da família dos Pereiras? É sabido que os Livros de Linhagens tiveram o dedo de D. Álvaro Gonçalves Pereira, prior dos Hospitalários, e o de seu pai, o  bispo D. Gonçalo Pereira. Com que propósito o fizeram? Pretenderiam ocultar que tinham sangue omíada?

     Os nomes atrás referidos são importantes figuras da vida política e militar do seu tempo. D. Gonçalo Rodrigues de Palmeira participou activamente nas empresas guerreiras do nosso primeiro rei e o seu nome é mencionado nos relatos do cerco e tomada de Lisboa ou na conquista de Moura. Foi mordomo-mor no tempo de D. Afonso Henriques. D. Rui Gonçalves Pereira, que dá o seu nome a uma das ruas da freguesia, foi alcaide do castelo de Lanhoso e diz-se que participou na batalha de Navas de Tolosa. D. Pedro Rodrigues de Pereira foi alcaide de Trancoso e está ligado aos acontecimentos trágicos do Crasconho, nas margens do rio Sousa, de que saiu vitorioso, em que Pedro Poiares, seu primo, foi morto com muitos outros fidalgos. D. Gonçalo Pereira era um dos fidalgos mais poderosos do seu tempo. Para ilustrar o seu poderio diz-se que de uma vez ofereceu cerca de 70 cavalos a familiares e amigos e que noutra ocasião fez 32 cavaleiros. O seu filho mais velho, também com o nome de D. Gonçalo Pereira, foi bispo de Braga e terá acompanhado D. Afonso IV na batalha do Salado; é o avô paterno de D. Nuno Álvares Pereira. O segundo filho, D. Vasco Pereira, irmão do bispo de Braga, foi mordomo  e meirinho-mor de D. Dinis e desempenhou igualmente importantes funções no tempo de D. Afonso IV.  Sucedeu a seu pai na casa e quinta de Pereira e a sua mãe na quinta do Paço, em Santo Adrião de Vizela, onde parece que morou no final da vida. Manuel de Souza e Silva, no livro já atrás citado, afirma que «foi do conselho de D. Dinis que o fez amigo de Lourenço Anes Redondo, por terem entre si grandes discórdias, e ele obrigou a sua quinta de Pereira a guardar este conserto».  Este compromisso perante o rei foi assumido a 14 de Agosto de 1318.

     A quinta de Pereira voltou à posse da família originária em 1391, ano em que João Rodrigues Pereira, neto de D. Vasco Pereira, um dos combatentes de Aljubarrota, a readquiriu por troca com Lopo Dias de Azevedo, filho de Diogo Gonçalves de Crasto e de sua mulher Aldonça Coelha, aparentada com Diogo Coelho,  a quem deu a quinta de Azevedo, em Prado. Recebeu de D. João I as terras de Baltar e Passos, as quais ele depois deu a D. Nuno Álvares Pereira por troca pelas terras de Cabeceiras de Basto, onde fixou residência. Indo com este rei quando foi tomar a cidade de Tui, no rio Minho junto a Monção, afogou-se no ano de 1398. Não consta que tenha residido na quinta de Pereira.

     Daqui decorre que, pelo menos entre 1318 e 1391, a quinta de Pereira deixou de estar na posse da família Pereira e, por essa razão, é muito pouco provável que D. Nuno Álvares Pereira pudesse encontrar-se na dita quinta pouco depois do seu nascimento, que ocorreu segundo alguns em 1360. A lenda de que terá sido baptizado na igreja de Sanfins é, assim, inconsistente. Acredito que a lenda possa ser verdadeira em relação a algum dos seus antepassados que nasceram em Sanfins de Riba de Ave. Nas «Memórias Paroquiais de 1758» o pároco de Sanfins, Pe. Diogo Ferreira da Costa, afirma que «há na freguesia uma quinta chamada de Pereira da qual dizem fora senhor D. Nuno Álvares Pereira, varão insigne nas armas e que dentro dela não se prendia antigamente». Como mostrei atrás, a quinta de Pereira pertenceu ao bisavô e a outros seus antepassados, mas não há notícia de que tenha pertencido ao Condestável.

     Depois de 1391, a quinta de Pereira não esteve na posse de João Rodrigues Pereira ou dos seus descendentes durante muito tempo, visto que em 1463 D. Afonso V doou vitaliciamente a João Vaz (ou Vasques) de Almada todos os direitos do pão, vinho, linho, legumes e outros, de Pereira e de Noura.  João Vaz de Almada era alferes de bandeira de S. Vicente na tomada de Ceuta (1415) e fazia parte do conselho e foi vedor da fazenda do rei D. Duarte (era-o em 1440) e de D. Afonso V. Também Martim Falcão foi senhor de Pereira. Sucedeu-lhe na posse da quinta de Pereira D. Gonçalo Vaz de Almada e Cristóvão Falcão, mas não consta que nenhum deles tenha estabelecido residência permanente em Sanfins. A partir daí terá permanecido na posse dos Almadas, pelo menos até ao século XVIII, visto que em 1758 pertencia a Gaspar Leite, Mestre de Campo e a seu filho, Joaquim Leite, na altura tenente no regimento do Porto, ambos descendentes dos Almadas. Gaspar Leite de Azevedo Vieira de Carvalhais e Vale de Faria Monteiro era o proprietário da casa do Cano da vila de Guimarães e morgado da Quinta da Torre em Tagilde. O seu filho Joaquim Leite de Azevedo Vieira do Vale e Faria Carvalhais foi alcaide-mor de Lindoso. Um antepassado de Gaspar Leite, provavelmente também antigo proprietário da Quinta de Pereira, chamado Gaspar Leite Pereira, também morador na rua do Cano de Cima, em Guimarães, mais tarde de Arcela, embarcou em 1559 para a Índia, onde mereceu em prémio dos seus serviços a capitania de Tanadar, mais tarde da fortaleza de Baçaim. Voltando ao reino, foi mandado por D. Sebastião à costa da Guiné, como capitão da nau S. Nicolau, a fim de sufocar uma revolta. Ali faleceu envenenado pelos revoltados.

      Já no século XX a quinta de Pereira passou para a posse de Basílio de Sá Carneiro, provavelmente adquirida por compra, encontando-se ainda o seu nome num  portão de entrada pela rua de D. Rui Gonçalves de Pereira, quase em frente à rua de Pereira. Basílio de Sá Carneiro, negociante, natural de Ruivães, filho de Albino de Sá Carneiro e de Antónia Maria Monteiro, da mesma família que o conhecido político e antigo primeiro-ministro Francisco de Sá Carneiro, casou com Vitória Pereira Lopes de Sá Carneiro, filha de Joaquim Pereira de Matos França e de Joaquina Alves de Sousa Lopes, natural da freguesia de S. Cosme, concelho de Gondomar.Tiveram residência permanente na freguesia de Santo Ildefonso, da cidade do Porto, nunca em Bairro, embora pudessem passar aqui longas temporadas. Na altura em que se rasgou a estrada que dá acesso à Carreira, que viria a atravessar terrenos da quinta de Pereira, houve um conflito entre A. J. da Silva Pereira e D. Vitória, na altura já viúva. O primeiro pretendia a abertura da estrada e a D. Vitória opunha-se. O dito conflito foi levado aos tribunais e resolvido a favor do primeiro, como é sabido.    

     Depois da morte de D. Vitória, a propriedade da quinta de Pereira passou a sua filha Deolinda de Sá Carneiro Barbosa, que nasceu a 26 de Agosto de 1900 e que casou em 21 de Abril de 1921 com Eduardo Barbosa. Conheci esta senhora em 1978 quando lhe adquiri um terreno desanexado da quinta de Pereira, junto da tal estrada que se abriu, salvo erro pelos anos 30 do século XX. Faleceu em 7 de Abril de 1995, já com 94 anos de idade.

     Actualmente, a quinta de Pereira continua na posse de descendentes de Basílio de Sá Carneiro.