Bairro e Sanfins na Terra de Vermoim

     A Terra de Vermoim resultou do desmembramento da Terra da Maia, no século XI. Nas Inquirições de 1220 as freguesias de Bairro e Sanfins faziam parte das mais de 60 que constituíam aquela circunscrição, que se situava entre os rios Ave e Este e ainda algumas freguesias entre o Ave e o Vizela, ou Entre Ambas as Aves (1), como se dizia na Idade Média, como São Miguel das Aves, Santo André de Sobrado, São Pedro de Riba de Ave, Guardizela, Serzedelo, Lordelo, Gandarela e outras. Muitas dessas freguesias estão actualmente extintas e fundidas com outras, que se mantiveram.       
 
     Durante a crise de 1383-1385, o Julgado de Vermoim passou a estar dependente de Barcelos, e manteve-se assim até 1835, altura em que foi criado o concelho de Famalicão, por alvará régio de D. Maria II, que elevou Famalicão à categoria de vila
 
     O actual concelho de Vila Nova de Famalicão quase coincide nos seus limites territoriais com a antiga Terra de Vermoim, aquele apenas um pouco mais pequeno. As freguesias de Airão, Guardizela, Serzedelo, Gandarela, Lordelo e outras, passaram para o concelho de Guimarães, São Miguel das Aves, Sequeirô, Lama, Areias e Palmeira, passaram para o concelho de Santo Tirso; em contrapartida o concelho de Famalicão recebeu de Faria as freguesias de Nine e Gondifelos.
 
     O primeiro foral foi dado a Famalicão por D. Sancho I, em 1205, que criou a feira quinzenal, que tinha lugar ao domingo.
 
     O primeiro documento onde aparece a referência ao topónimo «Fhamelican» data de 1307, mas só em 1527 surge a actual designação. O senhorio da vila, em 1410, era do conde de Barcelos. Em 1515 recebeu foral novo de D. Manuel I.  
 
     As Inquirições de 1220 e de 1258 apresentam-nos uma Terra de Vermoim povoada em quase toda a sua extensão, embora com uma densidade populacional pequena, delimitada a Sul pela barreira natural do Ave (93,5 Km) e do Vizela (46,5 Km), a Norte por uma área montanhosa, em que se inclui a serra de Curvião, e a Ocidente pelo rio Este (46,5 Km) , afluente do Ave. Pelo meio da terra de Vermoim correm ainda pequenos rios afluentes do Ave, como o Pele ( 20,8 Km) e o Pelhe (20 Km).
 
     A cabeça originária desta terra encontrava-se no castelo medieval de Vermoim, fundado ainda antes da existência de Portugal como país independente, ao que parece originado de um castro posteriormente romanizado. No território desta terra ou circunscrição administrativa há inúmeros castros e devem ter existido outras fortificações de que há vestígios sobretudo na toponímia, como Castelões (freguesia e lugar de Avidos), Crasto (Telhado e Cavalões), Cividade (Joane), Cristelo (Portela e Oliveira), Muro (Arnoso) ou Penela (Sequeirô) (2). O topónimo Assento, que parece indicar a existência de uma povoação antiga da qual a actual se originou, é muito corrente neste território (Bairro, Seide, Joane, Castelões, etc.), correspondendo em conformidade com o que se disse atrás, a fortificações castrejas ou outros vestígios de povos primitivos.
 
     A toponímia também é muito esclarecedora dos povos que por aqui passaram e se fixaram. Abundam topónimos de origem latina e, sobretudo, germânica como Vermoim (de Vermudi), Requião (de Requilani), Esmeriz (de Esmerici), Landim (de Nandini), Outiz (de Optilaci), Mões (de Maladonis), o que não nos deve surpreender, tendo em conta que o território integrava um reino suevo, que teve a sua capital em Braga, e depois esteve sob domínio visigótico. Também há topónimos de origem árabe como Seide e Bairro, o que aponta para que tenham surgido durante a ocupação muçulmana.
 
     O topónimo Vermoim deriva do nome próprio Vermudo, que é um nome de origem germânica, como tantos outros que encontramos na nobreza peninsular do tempo da reconquista. Vermudo ou Bermudo Forjaz de Trastâmara, (3) casado com Aldonça Rodrigues de Leão, teve o governo desta terra, cuja designação passou a identificar-se com ele. Viveu no início do século XI, no tempo dos condes de Portucale Alvito Nunes e dos seus sucessores, Nuno Alvites e Mendo Nunes, mas a designação da terra manteve-se mesmo depois da sua morte e perdurou por séculos, até à actualidade. O governo da Terra de Vermoim manteve-se na mesma família durante mais de um século: passou a Forjaz Vermuis, a Rodrigo Forjaz de Trastâmara e a Gonçalo Rodrigues de Palmeira. (4)
 
     É sabido que o Conde Alvito Nunes (5) governou o Condado Portucalense no início século XI, juntamente com Tutadona, a viúva do Conde Mendo Gonçalves, este morto em 1008. Segundo os Annales Portucalense Veteres, ele estava no castelo de Vermoim a 6 de Setembro de 1016, quando se deu uma incursão de piratas normandos (vikings), (6) comandados por Gundáredo, em que deve ter morrido, visto que as crónicas não voltam a falar dele. Durante esse ataque, parece que o castelo foi total ou parcialmente destruído. Mais tarde terá sido reedificado, mas perdida a sua função estratégica, foi depois abandonado definitivamente, julga-se que em finais do século XIV, caindo em ruínas e vindo a desaparecer. Diz-se que as pedras das muralhas terão sido levadas para construir a igreja de Vermoim e/ou para a construção das casas dos moradores, como tem acontecido em muitos outros lugares. Hoje, quem pretender visitar o castelo pouco tem para ver. Subsiste apenas um bloco rochoso, onde se observam umas cavidades escavadas. Nas proximidades podem observar-se inúmeros fragmentos de telhas e cerâmicas com características medievais. Para reforçar a defesa há uns fossos, embora haja dúvidas se pertencem à época em que o castelo foi edificado ou a uma anterior ocupação, da Idade do Ferro.
 
     Vila Nova de Famalicão foi elevada à categoria de cidade em 1985. É hoje um dos mais importantes concelhos da região do rio Ave, com uma densidade populacional de 632 habs/Km2, uma das maiores do país. É um importante centro agro-pecuário e industrial, um dos dez concelhos com maior contributo para o PIB. O sector secundário é a principal fonte de riqueza na economia local. Os principais ramos de indústria são o têxtil e o vestuário. Outros ramos de actividade importantes  são as indústrias agro-alimentares, a produção de pneus, a metalo-mecânica, o mobiliário e a madeira, a electrónica, a óptica, a relojoaria e os instrumentos de medição. 
 
     Dois famosos escritores, que conheciam muito bem esta região do Vale do Ave, não deixaram de falar dela nos seus livros, designadamente do castelo de Vermoim. Refiro-me a Arnaldo Gama e a Camilo Castelo Branco. O primeiro, visita frequente de uma família de S. Miguel das Aves, agora Vila das Aves, em «O Segredo de Abade», logo nas primeiras páginas, diz: 
 
 
     E aquele nosso tão desassombrado outeiro de ao lado da igreja de S. Miguel das Aves - recordas-te, amigo? (...) Aqui e acolá ergue-se uma colina, um outeiro, um cabeço; e nos topos deles, neste branqueja uma capela, naquele negrejam os restos derrocados de um velho castelo senhorial.
     Vês ali? - Aquilo foi o alcácer dos condes, senhores de Vermoim. (...) Aqui vês o que resta dos célebres paços e torre de Nomães (7), tão famosa pelas desgraças de um dos seus condes; e lá ao longe, ao longe, lá está Landim, solar primitivo dos Pereiras, até ao tempo em que o conde D. Gonçalo Rodrigues de Palmeira o passou para Sanfins de Riba de Ave, aqui mais próximo, em razão de ter doado aquele couto, que também se nomeava da Palmeira, ao mosteiro edificado dentro dele pelo conde D. Rodrigo Forjaz, seu famosíssimo ascendente, conhecido pelo glorioso epíteto de Cid português.
 
     Camilo Castelo Branco, «No Bom Jesus do Monte», sobre o mesmo assunto, diz:
 
     Não foi bem pelo amor das moitas que eu fui ao castelo de Vermoim. Foi parte nisto o Arnaldo Gama, que está publicando num jornal o Segredo do Abade, romance que é exordiado por um busquejo de antigalhas deste lanço do Minho, onde estou. Diz o romancista que de um alto de São Miguel das Aves se avistava o castelo de Vermoim, a torre de Nomães,(7) etc. 
     - Que castelo é este que eu tenho aqui tanto à mão? - perguntei ao corógrafo Carvalho (8), o qual me respondeu a páginas 320 do tomo I (9): «O quinto e último julgado de que se compõe o termo de Barcelos, é o de Vermoim, nome que tomou de um castelo que nele está, e este de um fidalgo que o senhoreou, chamado D. Vermui Forjaz, derivado de Varamundo, progenitor dos Pereiras, que por ali teve seu assento, etc». 
 
     Desisti de saber onde teve por ali seu assento o progenitor dos Pereiras; mas quis ver o castelo de D. Vermui Forjaz.
 
     - Dá-me conta do castelo do meu amigo Arnaldo Gama,  castelo que ele viu e mais o seu amigo Delfim Maia: Pode ser que eles como rapazes, imaginassem castelos; mas o padre Carvalho era um homem grave e ancião, quando escreveu aquilo (...).
 
     - Que é do castelo de Vermoim, rapaz? - É aqui - redarguiu ele, já desconfiado que eu fosse algum dos celerados moiros que por ali andam à tuna a horas mortas.
 
     O castelo meu amigo, é um acervo de penedos onde nunca entrou broca, nem estanceou gente que não tivesse cabras a pascer pelas lombas da montanha. D. Vermui, se ali morou, vivia alapardado em lura que não lobriguei. Aqueles fidalgos godos trouxeram das Astúrias a costumeira de viverem subterrâneos: é possível que o progenitor dos Pereiras por lá deixasse os seus valentes ossos empedernidos nuns como fragmentos de rocha que por lá topei, com rijo agravo dos meus pés. Louvores ao honrado varão que fez D. Fuas Pereira, o qual fez Dona Mor Pereira, o qual fez D. Rui Forjaz, o qual fez… todos fizeram o que puderam, menos castelo.        
 
Notas:
 
(1) - A palavra vizela significa pequena ave, avezinha. Daí dizer-se Entre Ambas as Aves, ou seja, entre a ave grande (o rio Ave)  e a pequena (o rio Vizela). Dizem alguns, com razão, que, em vez de Entre Ambas as Aves, deveria antes dizer-se Entre Ambos os Aves.
 
(2) - A palavra penella designava uma pequena fortificação roqueira.
 
(3) - O condado de Trastâmara ficava situado na Galiza entre o rio Tambre e o mar, nas proximidades de Santiago de Compostela.
 
(4) - Forjaz Vermuis foi casado com Sancha Ordonhes e tiveram Rodrigo Forjaz de Trastâmara e Froila Forjaz de Trastâmara. D. Rodrigo Forjaz de Trastâmara foi casado com D. Gontinha (ou Moninha) Gonçalves da Maia e tiveram dois filhos: D. Gonçalo Rodrigues de Palmeira e D. Mem Rodrigues de Tougues. Gonçalo Rodrigues de Palmeira foi casado com D. Frolhe Afonso, filha do conde D. Afonso, irmão do conde D. Nuno de Celanova e de S. Rosendo, que jaz em Celanova, e tiveram os filhos seguintes: D. Rui Gonçalves de Pereira, D. Elvira Gonçalves, chamada meana de Palmeira e Gonçalo Rodrigues. Depois da morte da mulher, casou segunda vez com D. Urraca Viegas, viúva, filha de D. Egas Moniz, de quem teve Fernão Gonçalves, que se diz ter morrido da dor da sede, e Gonçalo Gonçalves.
 
(5) - No tempo de Afonso III (866-910) Vímara Peres e Hermenegildo Guterres são enviados respectivamente para Portucale e Eminio (Coimbra). Estavam assim criados, na segunda metade do século IX, os dois condados mais meriodonais da Galiza. Em 998, Mendo Gonçalves, neto de Mumadona Dias, aparece pela primeira vez com o estatuto de conde de Portucale, mas foi assassinado dez anos depois, em 1008.
 
(6) - Normandos era o nome pelo qual eram conhecidos os habitantes de várias zonas da Escandinávia, ainda antes de se terem estabelecido no Norte de França, que por essa razão se passou a chamar Normandia, região doada a Rollo, em 911. Para além do assalto ao castelo de Vermoim, também são conhecidos alguns casos de raptos por eles perpetrados na mesma época seguidos de exigências de dinheiro para libertar as pessoas raptadas. Também há quem sustente que na comunidade piscatória da Póvoa de Varzim há muitos indivíduos com traços fisionómicos dos normandos, sem que esteja esclarecida a razão disto.
 
(7) - A honra de Nomães ficava na freguesia de Ruivães. Aqui habitou D. Rui Nunes das Astúrias, que casou com D. Elvira Gonçalves, chamada meana de Palmeira, filha de Gonçalo Rodrigues de Palmeira, tronco dos Pereiras.
 
(8) - Trata-se obviamente do padre António Carvalho da Costa.
 
(9) - A página e o tomo referidos são da «Corografia Portuguesa», obra do padre António Carvalho da Costa.