Maria do Rosário Cirne

 

Maria do Rosário Cirne (1793-1864), uma das minhas trisavós, nasceu na freguesia de Santo Estêvão Fins de Riba de Ave, vulgarmente chamada Sanfins, referida em quase todos os registos paroquiais por Maria do Rosário, mas conhecida pelos seus conterrâneos apenas por Rosária. É avoenga comum de várias famílias numerosas daquela extinta freguesia, pelo que são todos aparentados entre si: Pereiras, Silvas, Sousas, Ribeiros e outros (1). A sua descendência vive em Bairro e em muitas outras localidades por vezes bem distantes, alguns mesmo em outros países, bisnetos (conheço uma sua bisneta ainda viva, Rosa Ferreira da Silva, com 97 anos), trinetos, tetranetos, quintos netos… muitas centenas de pessoas, algumas das quais nem sonham que descendem dela. (2)

    Era filha de Domingos Correia Duarte, lavrador do lugar de Matamá, Sanfins, e da sua segunda mulher Dionísia Maria Cirne, também referida em alguns registos como Dionísia Maria Cirne de São José, natural de S. Mateus de Oliveira, e neta pela parte materna de António José Cirne, natural de Santa Maria de Oliveira, e de Maria Machado, natural de S. Mateus de Oliveira.

    Casou em 1813 com José Carneiro e, depois do falecimento deste, voltou a casar com Joaquim Vicente de Sousa em 1830. Deixou descendência de ambos os casamentos. Do primeiro Ana (1815), Rita (1817), Custódia (1821), Maria (1824) e Manuel (1828) e do segundo Joaquina (1831), Rosa (1833) e Maria (1835). Durante o primeiro casamento tinha residência no lugar dos Lameiros e após o segundo casamento passou a residir no lugar da Estrada, de resto muito próximos um do outro, ambos junto à chamada estrada real, que ligava Rebordões a Guimarães e à Póvoa de Lanhoso.

    Era uma pessoa muito conhecida e estimada na freguesia, sempre disponível para dar ajuda aos vizinhos. Na época em que viveu, em que os partos eram feitos em casa, situação que prolongou até há cerca de 50 anos atrás,  dava assistência como parteira às mulheres que precisassem de ajuda. Foi ela que deu assistência no lugar do Monte (de Sanfins) ao parto do meu bisavô, António Rodrigues de Andrade, em 10 de Junho de 1850, procedendo igualmente ao seu baptismo por se recear que pudesse morrer logo após o parto, o que não se confirmou, de resto prática habitual nestas situações. Sempre houve mulheres disponíveis para prestar esse inestimável serviço à comunidade. A minha avó do lado paterno, Maria Rodrigues de Andrade, também o fez.

    Não sei se Maria do Rosário sabia ler e escrever, o que era muito raro no tempo em que viveu, ainda mais sendo mulher, mas sei que sabia pelo menos assinar o seu nome. Com letra bem desenhada e legível assinava Maria Rozaria, como o fez no baptizado de sua neta Matilde, em que foi a madrinha. Matilde nasceu em 1862 e era filha de Lino José Silva e de Joana Maria de Sousa .

    Maria do Rosário faleceu em 18 de Agosto de 1864 e foi sepultada dentro da igreja de Sanfins junto ao altar de S. Sebastião. Foi uma das últimas pessoas, ou até mesmo a última, a ser enterrada em Sanfins. As paróquias de Bairro e de Sanfins tinham na altura o mesmo pároco, o padre Dionísio José Barroso, que pouco a pouco foi centralizando em Bairro toda a actividade das duas paróquias, primeiro foram os baptizados, depois os casamentos e por fim os enterros, que deixaram de fazer-se em Sanfins e passaram a fazer-se em Bairro. Cumpriria certamente instruções nesse sentido transmitidas pela hierarquia religiosa, que levaram à total integração de Sanfins em Bairro, ainda que tenha sido um processo lento, que se arrastou por grande parte do século XIX, sinal de que terá havido alguma oposição e resistência por parte da população de Sanfins.

    Joaquina Rosa de Sousa, filha de Joaquim Vicente de Sousa e de Maria do Rosário, casou com José da Costa Pereira, nascido na casa da Bica, lugar de Segade, freguesia da Carreira. Sua irmã Maria ou Joana Maria de Sousa casou com Lino José da Silva, natural de Sanfins. Uma filha de Lino José da Silva e Maria de Sousa, de seu nome Joaquina de Sousa, casou com José de Sousa, conhecido por José Freamunde, natural de Santa Marinha, freguesia hoje extinta e integrada em Landim. Em «Novelas do Minho», 2º. volume, de Camilo Castelo Branco, o pai deste José de Sousa, também ele José de Sousa,  é referido como José Freiamunde. (sic)

    Por outro lado, Custódia Maria, que casou em 1838 com António Ribeiro, era filha de Maria Teresa Cirne, pelo que também há ligações de parentesco entre Ribeiros e Cirnes.  

    O apelido Cirne é muito antigo, visto que já aparecem indivíduos assim chamados no tempo de D. Afonso IV. Julga-se que possa derivar de alcunha e Viterbo informa que cirne é uma forma antiga da palavra cisne. As armas dos Cirnes terão sido concedidas pelo imperador Carlos V a Manuel Cirne, feitor do rei de Portugal na Flandres, e confirmadas por D. João III. Nas armas dos Cirnes está representado em campo azul um cisne, o que dá crédito à informação de Viterbo.

    Manuel Cirne, em 1539, num gesto demonstrativo da sua opulência, comprou a D. Manuel Pereira, terceiro conde da Feira, o senhorio de Refojos de Riba de Ave e a Serra da Agrela. Pelo seu segundo casamento, já antes se tinha tornado senhor da honra de Gominhães, nas proximidades de Vizela.

    Haverá alguma ligação genealógica entre Maria do Rosário Cirne e Manuel Cirne? Sabe-se que Maria do Rosário era neta de António José Cirne  e de Maria Machado, ele natural de Santa Maria de Oliveira e ela de S. Mateus de Oliveira.

António José Cirne era filho legítimo de Leonardo Cirne Cardoso e de Maria de Oliveira, de Santa Maria de Oliveira.

    No registo do casamento de Leonardo Cirne Cardoso, que ocorreu em 07.03.1752, diz-se que feitas as denunciações em Santa Maria de Oliveira, Santiago da Carreira, S. Miguel de Creixomil, S. João de Ponte, S. Mateus de Oliveira e Landim, acrescenta que ele era um enjeitado da Misericórdia do Porto, cuja ama foi Águeda Ferreira, mulher de António Correia, alfaiate do lugar da Casa Nova desta freguesia (Santa Maria de Oliveira). Casou com Maria de Oliveira, filha legítima de João Francisco e de Custódia Francisca do dito lugar da Casa Nova, neta pela parte paterna de João Francisco e de Catarina Francisca, do lugar da Senra da freguesia de S. João de Ponte, Guimarães, e pela parte materna de António Francisco, da mesma freguesia, e de sua mulher Marta Francisca, de S. Salvador de Delães.

    Onde terá nascido Leonardo Cirne? Terá sido em alguma das freguesias acima indicadas no seu registo de casamento, numa daquelas em que foram feitas as denunciações? À primeira vista, não se compreende a necessidade de dar publicidade ao casamento na Carreira, Landim ou Creixomil, mas certamente deve haver alguma razão para isso. Terá nascido em alguma daquelas freguesias? Será algum dos seus progenitores natural ou residente em alguma daquelas freguesias? Terá nascido em alguma freguesia do Porto ou dos arredores, uma vez que era um enjeitado da Misericórdia daquela cidade? Não sabemos. Por isso, procurar o seu registo de baptismo é como procurar agulha em palheiro. Mesmo que o encontrássemos, talvez nem assim ficassem dissipadas todas as dúvidas. Para além disso, pelo registo do seu casamento, verifica-se que não é identificado pelo apelido dos seus pais adoptivos, nem Correia, nem Ferreira, mas por Cirne Cardoso. Donde lhe vêm esses apelidos? Virá de um ou de ambos os seus progenitores, dos seus pais biológicos? Terá nascido de alguma relação extraconjugal ou de alguma situação espúria semelhante e, por esse motivo, terá sido dado para adopção? É muito provável, mas ao certo talvez nunca se consiga saber o segredo que se esconde aqui. Por isso, a menos que apareça algum documento que faça alguma luz sobre este assunto, o que é muito pouco provável, talvez nunca se venha a esclarecer a razão de usar o apelido Cirne e saber quem são os seus antepassados.     


Notas:

     (1) -Sobre este assunto está disponível neste mesmo sítio mais informação no artigo sobre «Os avoengos...»

(2) - Aliás isso poderia igualmente dizer-se em relação a qualquer outro nosso antepassado . Qualquer um de nós tem 2 progenitores (pai e mãe), 4 avós, 8 bisavós, 16 trisavós, 32 tetravós e assim sucessivamente, isto é, recuando uma geração duplica o número dos nossos avoengos, que crescem em progressão geométrica do tipo 2n+1.    

    Para saber, por exemplo, o número teórico de nonos avós de uma pessoa basta calcular 210, ou seja, 1024. O número de vigésimos quintos avós, então seria 226, ou seja, 67108864, mais de 67 milhões. Estamos neste caso a falar dos nossos antepassados que viveram há cerca de 750 anos, pelo século XIII, no tempo de D. Dinis ou D. Afonso IV. Mas, se repararmos bem, verificamos que a população em Portugal na referida época era, como ainda hoje é, muito inferior a esse número. O número de trigésimos avós, então seria 231, daria este número gigantesco 2.147.483.648, cerca de 2,15 milhares de milhões de pessoas, muitas vezes superior à população mundial da época, há cerca de 900 anos, pelo início do século XI, ainda antes da fundação da nação portuguesa. A população mundial só atingiu esse número no século XX. Então, o que está errado nestes cálculos? Não está nada errado, o que acontece é que um mesmo antepassado pode aparecer várias vezes na árvore de costados de cada um, porque muitos dos nossos antepassados terão casado com pessoas aparentadas (endogamia). Isto era e continua a ser muito frequente. Em sociedades rurais, muito fechadas ao exterior, este factor acentuava-se, mas também acontecia entre a nobreza e até entre famílias reais. Diz-se que Afonso XIII de Espanha tinha apenas 111 oitavos avós em vez dos 1024 teóricos. Nesta situação fala-se de implexo dos ascendentes, que neste caso é de mais de 89%, visto que:


(1024-111) : 1024 x 100 = 89,16015 %


    Por esta razão há que distinguir entre o número teórico e número real de antepassados de cada um, sendo enorme a diferença entre um e outro, que se acentua quanto mais se recua no tempo, embora crescendo ambos rapidamente, tornando-se ambos muito grandes.

    No meu caso pessoal, verifiquei que os meus tetravós do lado paterno, António Rodrigues de Andrade e Maria Josefa Pereira, são também meus quintos avós do lado materno, o que quer dizer que todos os antepassados deles, que também são meus antepassados, se repetem tanto no meu lado paterno como no materno, o que reduz substancialmente o seu número real face ao número teórico. Isso também quer dizer que o meu pai e a minha mãe, sem o saberem, eram parentes um do outro. Se recuasse mais no tempo, certamente encontraria muitas outras situações semelhantes, o que aumentaria aquela discrepância.