O caminho de ferro em Bairro

     O Caminho de Ferro de Guimarães, como inicialmente se designava, é uma linha férrea portuguesa de serviço maioritariamente urbano, que compreendia, na sua extensão máxima, o percurso entre as estações de Porto-Trindade e Fafe, passando pela Trofa e Lousado, onde se cruzava com a Linha do Minho (1). Actualmente, apenas se considera o troço entre Lousado e Guimarães como parte desta linha.

     Nesta linha do caminho de ferro, as obras da sua construção começaram a partir da Trofa, passando por Bairro, onde inicialmente não havia qualquer estação ou apeadeiro. Em 31 de Dezembro de 1883 teve lugar a viagem inaugural do troço entre a Trofa e Vizela e, no início do ano seguinte, a linha foi aberta à exploração. Em 14 de Abril de 1884 foi igualmente aberto à exploração o troço entre Vizela e Guimarães. 

     Alguns anos depois da sua abertura, a linha de Guimarães tinha as seguintes estações e apeadeiros: Trofa, Lousado, Santo Tirso, Caniços, Negrelos, Lordelo, Vizela e Guimarães. Mais tarde foram construídas mais algumas estações e apeadeiros e alguns apeadeiros foram transformados em estações, como os de Caniços, Lousado e Lordelo. Era possível nessa altura ir de Guimarães ao Porto pela via férrea, mudando da via estreita para a via larga em Lousado ou na Trofa, seguindo depois na linha do Minho.

     Não consegui apurar o ano em que foi aberto o apeadeiro no lugar de Caniços nem aquele em que foi construída a estação, sendo certo que existe um registo de baptismo na freguesia de Bairro em 26.06.1896 de um indivíduo do sexo feminino, de nome Felicidade, filha de Joaquim de Sousa Neves, natural do concelho de Guimarães, que era o chefe da estação de Caniços (2). Provavelmente foi o primeiro a exercer estas funções nesta estação. Em 1899, o chefe da estação já era outro: José Maria de Freitas Guimarães.

     Em 1898, o Ministro das Obras Públicas, Elvino de Brito, mandou elaborar planos para as redes ferroviárias ao Sul do Tejo e ao Norte do Mondego. A comissão responsável pela zona Norte propôs a construção de duas linhas para servir a região de Basto, ambas de bitola estreita (3): a linha do Tâmega, que ligaria a Livração à linha do Corgo, e a linha do Vale do Ave, que continuaria a linha de Guimarães até Cavez, na linha do Tâmega, passando por Fafe e Refojos. De acordo com o plano estabelecido, que consta de um decreto de 16 de Fevereiro de 1900, iniciaram-se as obras na linha do Tâmega e a linha de Guimarães foi prolongada até Fafe. A ligação de Guimarães a Fafe foi inaugurada em 21 de Julho de 1907.

     Entretanto já existia a linha que ligava Porto à Póvoa de Varzim, também em bitola métrica, depois prolongada até Vila Nova de Famalicão, onde chegou em 12 de Junho de 1881. Tinha estações em Senhora da Hora, Custóias, Pedras Rubras, Vilar de Pinheiro, Modivas, Mindelo, Azurara, Vila do Conde, Póvoa de Varzim, Amorim, Laundos, Rates, Fontainhas, Gondifelos, Outiz, Famalicão e Lousado. Nos meus verdes anos fiz várias vezes a viagem de Caniços para a Póvoa de Varzim utilizando a linha de Guimarães até Lousado e depois tomava-se a linha da Póvoa, que nos levava até ao destino.

     Nas décadas de 1920 e 1930 existiam planos para prolongar esta linha desde Famalicão a Ronfe, até à projectada linha do Ave.

     Em 1 de Janeiro de 1927, o presidente da Comissão Administrativa da Junta Geral do Distrito de Braga tinha pedido ao governo para iniciar os estudos da linha do Vale do Ave, ligando Caniços a Cabeceiras de Basto por Vieira do Minho, com uma variante que servisse a Póvoa de Varzim e Vila do Conde. O governo, pelo Ministro do Comércio, respondeu que iria tratar desse assunto.

     Nesse ano, foi criada uma comissão para proceder à revisão do plano ferroviário nacional, em que um dos projectos propostos era o da linha do Ave. Esta linha seria parte de uma extensa rede que faria a ligação entre si de todas os caminhos de ferro de via estreita a Norte do Rio Douro, e que, pela linha de Guimarães, se prolongaria até ao porto de Leixões e à cidade do Porto. O traçado da linha do Ave foi profundamente modificado, devendo sair de Caniços e passar por Riba de Ave, Taipas, Póvoa do Lanhoso e pela portela de Rossas ou de Casares, e terminando na futura estação de Arco de Baúlhe, na linha do Tâmega.

     Assim, no Plano Geral da Rede Ferroviária, publicado pelo Decreto n.º 18190, de 28 de Março de 1930, a linha do Ave aparecia como de via estreita, ligando Caniços a Arco de Baúlhe, na linha do Tâmega, com um cruzamento em Ronfe com a linha de Famalicão, na Póvoa de Lanhoso com o ramal de Lanhoso, e nas Caldas das Taipas com a Transversal do Minho. A linha teria cerca de 75 Km de extensão, mas nunca saiu do papel.

     Num artigo publicado na Gazeta dos Caminhos de Ferro em 1934, um jornalista, José Fernando de Sousa, defendeu que devia ser construído primeiro o troço entre Arco de Baúlhe e Refojos, e que depois as obras começassem a partir de Caniços até que os dois troços se ligassem em Refojos.

     Entretanto, em 1 de Outubro de 1875, já tinha sido inaugurado o troço entre Porto-Boavista e Senhora da Hora. O troço entre Trofa e Senhora da Hora abriu à exploração em 14 de Março de 1932 (4). Em 30 de Outubro de 1938 foi inaugurado o troço entre Porto-Boavista e Porto-Trindade, o que implicou a construção do túnel da Lapa, com cerca de 500 metros de extensão. A partir de então era possível ir de Fafe até ao centro da cidade do Porto em via estreita, sem necessidade de mudar de comboio. A linha de Guimarães e a Linha da Póvoa eram comuns entre Porto-Trindade e a Senhora da Hora, ambas originalmente de bitola métrica. Da Trofa ao Porto-Trindade havia estações em Bougado, Muro, Castêlo da Maia, Barreiros da Maia, Araújo, Senhora da Hora, Boavista e, mais tarde, a de Avenida de França.

     O troço entre Guimarães e Fafe foi encerrado em 1986.

     Nas décadas de 1990 e 2000, a linha de Guimarães sofreu profundas modificações, uma vez que se decidiu converter o troço entre Porto-Trindade e Trofa numa linha do Metro do Porto (5) e o troço entre Trofa e Guimarães numa linha electrificada de bitola ibérica. (6) O troço da Trofa a Santo Tirso foi o primeiro a ser convertido para a bitola ibérica; essas obras ficaram concluídas em 1998, na altura ainda sem electrificação. A parte restante de Santo Tirso a Guimarães, foi reaberta como linha de bitola ibérica electrificada em 19 de Janeiro de 2004, depois de dois anos de obras durante os quais o tráfego esteve suspenso.

     O troço entre Porto-Trindade e Trofa foi encerrado em Abril de 2001 para se fazer a conversão para a linha do Metro do Porto. Em Março de 2006 a linha do Metro do Porto chegou ao ISMAI, na Maia, em via dupla e bitola padrão, mas as obras do ISMAI até à Trofa não chegaram a avançar, pelo que este troço não tem qualquer tráfego desde 2002, o que tem provocado controvérsia e protestos na região.

     A modernização e conversão para bitola ibérica e electrificação do troço de Santo Tirso a Guimarães foi dividida em duas partes, ambas com cerca de 13 km de comprimento: entre Santo Tirso e Lordelo e entre Lordelo e Guimarães. Tal como na modernização do troço de Lousado a Santo Tirso, a modernização deste troço da Linha de Guimarães manteve quase na totalidade o traçado da via já existente, o que exigiu um grande esforço aos projectistas, em virtude desse traçado inicial ser sinuoso e por atravessar zonas urbanizadas. A conversão para bitola ibérica exigiu a realização de grandes trabalhos de remoção de terras e expropriações, quer para alargar a via e construir curvas mais suaves, quer para remodelar todas as estações e apeadeiros e construir os seus acessos rodoviários e parques de estacionamento.

     Foram construídos novos edifícios para as estações de Caniços, Lordelo, Vila das Aves e Guimarães, enquanto o edifício principal da estação de Vizela foi renovado. O edifício da estação de Guimarães escapou à demolição, mas foram demolidas as antigas estações de Lordelo, Caniços e todos os antigos apeadeiros. As estações da linha de Guimarães estão agora dotadas de muito boas instalações, com amplas salas de espera, bares, instalações sanitárias, bilheteiras, mas sem apoio de qualquer funcionário e com acesso vedado ao público, que na maior parte dos casos apenas tem acesso aos cais de embarque, ou seja, funcionam como simples apeadeiros, o que é incompreensível.

     Foram igualmente melhorados os acessos rodoviários às estações e apeadeiros e construídos parques de estacionamento; com efeito, nas 10 estações e apeadeiros entre Caniços e Guimarães foram criados um total de 750 lugares de estacionamento.

     Paralelamente à construção das novas plataformas das estações e apeadeiros, também foram construídos acessos desnivelados, novos abrigos de passageiros e melhores acessos para pessoas com mobilidade reduzida. As estações e apeadeiros passaram a dispor de informações visuais e sonoras sobre a circulação de comboios.

     A nova ponte de Caniços, sobre o rio Ave, foi a maior obra da modernização do troço de Santo Tirso a Guimarães. Tem 176 metros de comprimento, com sete tramos e um tabuleiro em betão armado pré-esforçado. A antiga ponte beneficiou de obras de adaptação e serve agora as populações como ponte pedonal.

     Quase todas as passagens-de-nível existentes ao longo da linha foram suprimidas e apenas duas foram automatizadas. Para substituir as passagens de nível, foram construídas passagens desniveladas, quer superiores, quer inferiores.

     Foi instalada sinalização electrónica, com um sistema de rádio solo comboio e cabos de fibra óptica ao longo da linha para apoiar o sistema de sinalização e foram actualizados os sistemas telefónicos de apoio à exploração.

     Após a modernização, foi possível aumentar a velocidade máxima de circulação na linha de Guimarães, o que permitiu reduzir significativamente o tempo de viagem entre Porto e Guimarães. Tornou-se possível ir de Guimarães a Porto- São Bento sem ter de mudar de comboio, circulando igualmente nesta linha o comboio Intercidades e o Alfa Pendular, com ligações regulares a Lisboa e a muitas outras cidades.

     Na sequência da renovação de via, tornou-se ainda possível a circulação dos comboios mais pesados da rede portuguesa, embora as obras de modernização não contemplassem o tráfego de mercadorias. De facto, não foi construído nenhum terminal ou ramal de mercadorias na linha de Guimarães.

     As obras na secção entre Santo Tirso e Lordelo foram concluídas em Outubro de 2003, seguidos do troço entre Lordelo e Guimarães em Dezembro do mesmo ano.

 
Notas:
 
(1) - A origem do troço principal desta linha da Trofa a Fafe, filia-se na concessão feita a Simão Gattai, em 11.07.1871, para a construção de um caminho de ferro no sistema americano, em que a via era assente na estrada. Em 28.12.1872 foram alteradas as condições do concurso, sendo incluída entre elas a obrigação de ligar a linha americana proposta, por Vizela e Fafe, à linha do Minho. Em 17.10.1874 foi a concessão trespassada a uma companhia inglesa e, por despacho de 18.02.1875, dispensada a construção do ramal de ligação acima referido. A empresa entrou em falência e o contrato foi rescindido. Em 16.04.1879, data da revogação do contrato anterior, foi estabelecida a concessão de uma linha de via larga entre Bougado e Guimarães a António Soares Veloso e a António Ferreira Silva de Brito, Visconde de Ermida, como representantes de uma nova empresa. Em 05.08.1880 satisfez-se o pedido dos interessados para que a construção se fizesse em via de 1 metro, como primitivamente fora estabelecido. Foi construída nesta bitola com início na Trofa donde seguia algaliada na linha do Minho até Lousado.
 
(2) - Num almanaque de 1897 que possuo, ainda constava Caniços como um apeadeiro, mas a informação certamente estava desactualizada. Num horário de comboios da linha de Guimarães de 1913, que publiquei na página do Facebook de Bairro Antigo, já consta a estação de Caniços.
 
(3) - A linha de Guimarães, a linha da Póvoa e outras, chamadas de via estreita, tinham bitola métrica, isto é, a distância entre carris era de um metro.
 
(4) - O ramal de ligação Senhora da Hora - Trofa foi concedido às Companhias de Guimarães e da Póvoa, sob condição da sua fusão.
 
(5) - As linhas do Metro do Porto já foram construídas em bitola europeia.
 
(6) - Portugal e Espanha têm uma bitola, distância entre carris, diferente do resto da Europa. Aqui e em Espanha os comboios circulam em linhas cujos carris distam 1668 milímetros, enquanto na maioria dos países europeus o fazem em carris separados por 1435 milímetros (bitola europeia). A Espanha optou por uma bitola diferente, o que obrigou Portugal a seguir-lhe o exemplo para não ficar isolado. Nos últimos anos as linhas de alta velocidade construídas em Espanha já foram executadas em bitola europeia.
     A mudança em Portugal para a bitola europeia será feita em articulação com a rede espanhola. Por isso actualmente todos os investimentos de modernização das infraestruras ferroviárias utilizam travessas especiais que permitem, quando chegar o momento, mudar de bitola através de uma operação relativamente simples. Apesar de simples, não deixará de implicar elevados custos. No que respeita aos comboios de passageiros há muitos anos que existem soluções técnicas que fazem da diferença de bitola um falso problema. Os comboios de eixos telescópicos, também chamados bi-bitola, adaptam os seus rodados à distância entre carris e circulam indistintamente em bitola ibérica ou europeia. Há até comboios de alta velocidade que circulam nos dois tipos de linhas.