António José da Silva Pereira (1864-1941)

     Nasceu às 10 horas da noite do dia 24.01.1864, no lugar de Santa Eulália, freguesia de Fânzeres, concelho de Gondomar. Era filho de José Francisco Pereira da Silva, ourives, natural da freguesia de Sedielos, concelho do Peso da Régua, e de Antónia Vieira, natural de Fânzeres, neto paterno de José António Correia da Silva, empregado público, e de Maria da Anunciação, tecedeira, ambos da freguesia de Sedielos, e materno de António Vieira da Silva e de Maria Felícia, do dito lugar de Santa Eulália, da freguesia de Fânzeres.
      O pai fixou-se em Fânzeres logo que se casou e aí tornou-se  um ourives dos de mais nomeada. António José trabalhou juntamente com os seus irmãos, Joaquim e José, na oficina paterna como ourives. Em 1884, com 20 anos de idade, no recenseamento de mancebos aptos para o recrutamento militar do concelho de Gondomar, diz-se que ainda residia no lugar de Santa Eulália, freguesia de Fânzeres, e que era ourives. Ele e um dos seus irmãos, José Francisco, estabeleceram-se no mesmo ramo de actividade, no Porto, tendo residido na rua de D. Maria II, que julgo já não fazer parte da toponímia da cidade.

     Sabe-se muito pouco da sua actividade profissional antes de fundar em Bairro uma fábrica têxtil, em 1914, no início da guerra, já com 50 anos de idade. O jornal «Notícias de Famalicão» na sua edição de 20.12.1941, no dia seguinte ao da sua morte, informa que ele foi, antes de fundar a fábrica em Bairro, «corretor de algodões», ou seja, era um intermediário em compras e vendas daquele produto, a que correspondem honorários designados por corretagem. Desconheço as circunstâncias que o levaram a deixar o ofício de ourives e abraçar esta actividade. O exercício desta nova profissão deve tê-lo levado a conhecer os industriais e as empresas desta região do vale do Ave, onde a indústria têxtil algodoeira se instalou fortemente a partir de finais do século XIX e, ao mesmo tempo, permitiu-lhe angariar alguma experiência profissional no ramo.

     Quando tomou a decisão de instalar em Bairro a sua empresa, certamente já conhecia a freguesia, onde já laborava a Empresa Têxtil Eléctrica, desde 1905, e a Fábrica de Bairro, desde 1908. Curiosamente, no início, a sua empresa era chamada Fábrica de Fiação e Tecidos de Caniços, o que terá resultado de um equívoco: ele deve ter pensado que esse era o nome da freguesia, por ser a designação da estação do caminho de ferro, que certamente conhecia bem. A empresa tinha escritório no Porto, na rua de Almada, e estava equipada «com os mais modernos maquinismos para fiação, tecelagem, tinturaria e acabamentos». Era «especializada no fabrico de cotins, cobertores desde os mais simples aos mais artísticos, conhecidos em todo o país e colónias, e riscados de diversas qualidades».
     Segundo o «Jornal de Notícias», de 25 de Agosto de 1929, a primeira casa de Silva Pereira em Bairro ficava nas proximidades da fábrica «entre o depósito de ferro para óleo e a central eléctrica, na qual viveu entre 1916 a 1922, mudando então para o seu palacete».
     Aparentemente A. J. da Silva Pereira iniciou a sua actividade em Bairro como comerciante em nome individual, com a inerente responsabilidade ilimitada. Mais tarde, a firma já surge com a forma A. J. da Silva Pereira, Lda, o que quer dizer que se transformou numa sociedade por quotas, de responsabilidade limitada, ou seja, o património particular de A. J. da Silva Pereira já não respondia por eventuais dívidas da actividade comercial da empresa.
     Desde que chegou a Bairro, António José da Silva Pereira destacou-se na realização de obras de que beneficiou a freguesia, como a Creche e a Escola Primária. Na altura em que se construiu a igreja, que foi inaugurada em 1930, foi ele que pagou a altar-mor e as suas magníficas imagens.
     Também criou um corpo de bombeiros, de que se pode ver uma foto na galeria de imagens, em que, no primeiro plano e da esquerda para a direita, se pode ver António Silva (Silvinha), Basílio e Domingos Rodrigues de Andrade, Sampaio e Valente. Dos oito elementos do segundo plano não consegui obter a identificação de nenhum e, por isso, deixo aqui uma sugestão: se alguém conhecer algum desses elementos, agradeço o favor e o(s) identificar. Esse corpo de bombeiros deve ter sido criado no início dos anos 30 do século passado e foi extinto alguns anos depois, sendo os seus equipamentos de combate a incêndios doados aos Bombeiros de Riba de Ave.
     O seu nome está ainda associado à abertura da estrada que liga Bairro à Carreira, conhecida localmente por avenida. O traçado dessa artéria previa o atravessamento de terrenos pertencentes à quinta de Pereira, a que a sua proprietária, Vitória de Sá Carneiro, tenazmente se opunha. A questão foi levada à justiça e só terá sido possível ultrapassá-la com a publicação de um decreto que terá vigorado durante apenas 24 horas, o que terá sido conseguido por acção de Silva Pereira junto do presidente do Conselho de Ministros de então, o general Domingos de Oliveira, que era seu amigo.
     Foi também durante o governo de Domingos de Oliveira que se construiu a estrada que ligou a estação de Caniços a Riba de Ave, que era uma velha aspiração das populações locais, designadamente dos industriais de Riba de Ave, Delães e Bairro. Não se fala muito disso, mas é possível que também aqui o dedo de Silva Pereira tenha sido decisivo.
     No dia 24 de Janeiro de 1932 foi lançada a primeira pedra para a construção das escolas da avenida e inaugurada a creche, com a presença do presidente do Conselho de Ministros, general Domingos de Oliveira, do ministro do Comércio, João Antunes Guimarães, e de muitos militares, já que nessa época o país estava sob uma ditadura militar. Houve uma grande festa, obedecendo ao seguinte programa:


     Às 10 Horas – Missa na igreja paroquial de Bairro, mandada celebrar pelo pessoal da fábrica, em acção de graças por Silva Pereira.
     Às 11 Horas – Bodo aos pobres da freguesia
     Às 12 Horas – Almoço Íntimo.
     Às 14 Horas – Lançamento da 1.ª Pedra para o edifício escolar, seguindo-se a inauguração solene da Creche e um «Porto de Honra» aos convidados.


     O local encontrava-se caprichosamente ornamentado e duas bandas fizeram-se ouvir. Houve também várias sessões de fogo.
     Embora não estando programado, pôde ainda observar-se um voo sobre Bairro de um avião militar da Amadora, o n.º 12, tripulado pelo tenente Sarmento Pimentel, que desceu até junto aos telhados, lançando de bordo, uma saudação a Silva Pereira.
     As escolas seriam inauguradas em 24 de Janeiro de 1933, com a presença do amigo de sempre, o general Domingos de Oliveira, que na altura já não era o presidente do Conselho de Ministros.
     Mas como seria Bairro antes da vinda de Silva Pereira? Segundo o «Jornal de Notícias», de 25 de Agosto de 1929, era «uma terra que há bem poucos anos estava coberta de pinheiros e matos, e que hoje se encontra transformada numa cidade». Diga-se em abono da verdade que a transformação de Bairro se iniciou antes da vinda para cá de Silva Pereira, primeiro com a chegada linha do caminho de ferro (1883) e depois com a fundação da Empresa Têxtil Eléctrica (1905) e a da Fábrica de Fiação e Tecidos de Bairro (1908), embora também seja de elementar justiça salientar que Silva Pereira deu um forte impulso para o desenvolvimento local.
     Rebelo Mesquita, com o seu pseudónimo Óscar Flecha, também nos dá um retrato singular, melancólico e poético de Bairro, em «Notícias de Famalicão», de 10 Outubro de 1936, assim:
     «Quando chegámos ao Monte de Lagoços e nos pusemos a olhar por aquela estrada larga que vai até lá, ao fundo, à estação do caminho-de-ferro – começamos a pensar o que era em tempos, há talvez uma dezena de anos – aquela freguesia hoje próspera e linda, industrial e comercial. Não iremos longe de verdade se afirmarmos que aquele lugar – como mirante para o Ave que passa lá em baixo – devia ser extremamente bucólico. Ermo, talvez triste, de caminhos intransitáveis, devia ter sido aquela aldeia que hoje, a nossos olhos, tem alguma coisa de belo, de extraordinário, graças ao seu progresso e à sua indústria. Bairro é, entre todas as nossas freguesias, aquela que está em pleno progresso e actividade. Do lugarejo triste e abandonado – não há muitos anos – é, hoje, uma terra próspera, atraente, cheia de beleza».
     No dia 4 de Junho de 1940, em Guimarães, o regime ditatorial vigente comemorou com muita pompa e circunstância o oitavo centenário da Fundação da Nacionalidade e o terceiro centenário da Restauração da Independência Nacional, que se transformou numa grande acção de propaganda do regime, que contou com a presença do Chefe de Estado e de muitas outras figuras públicas.
     Comemorações do mesmo tipo, embora em menor escala, foram celebradas em Bairro, segundo o «Notícias de Famalicão», dois dias antes, a 2 de Junho do mesmo ano. Possivelmente, terá sido nessa data a última aparição pública de Silva Pereira. Julgo que nesse dia foi inaugurado o cruzeiro que está junto à igreja de Bairro. Entre o estralejar de foguetes, no adro foi arvorada a bandeira da Restauração. Nesse cruzeiro estão inscritas as três datas à volta das quais giraram as referidas comemorações: 1140 (*), 1640 e 1940. De manhã, foi celebrada uma missa, assistindo à mesma as crianças da freguesia, as agremiações locais, incluindo o grupo desportivo com a seus novos equipamentos. No final da missa, dirigiram-se todos para a escola da Avenida, onde houve uma sessão solene presidida por José Lacerda, ladeado por Silva Pereira e pelo Pe. Carlos Lacerda.
     Também no dia seguinte, segunda-feira, dia 3 de Junho, as mesmas colectividades chefiadas pelo Pe. Carlos de Lacerda, qual pastor a conduzir o seu rebanho, seguiram em cortejo até à vizinha freguesia de Rebordões, para saudar o Chefe do Estado na sua passagem para Guimarães, a quem ofereceram ramos de flores.
     Repare-se como uma simples cerimónia de cariz religioso de inauguração de um cruzeiro, certamente pago pela gente simples da terra, serviu de pretexto aos promotores desta iniciativa para a transformar numa acção de apoio ao regime ditatorial vigente, organizando tudo em perfeita sintonia com os ventos que sopravam.
     Ainda em 1940, o cineasta Manoel de Oliveira fez um documentário sobre o concelho de V. N. de Famalicão em que um dos pontos focados é precisamente a fábrica de A. J. da Silva Pereira.
     Dizem que Silva Pereira gostava de repetir: «nos meus teares não fabrico pano, mas notas de conto», aludindo ao facto de a sua empresa ser muito rentável. Certamente tinha alguma razão e os sinais exteriores de riqueza que a família alardeava eram a prova disso mesmo. Faleceu em Bairro na manhã do dia 19.12.1941 e, com a sua morte, a empresa sólida que criou sofreu um grande abalo, foi perdendo o seu fulgor e acabou por sucumbir uns anos mais tarde.

     Notas:

     (*) - Em rigor, a fundação da nação portuguesa teve lugar em 1143 e não em 1140 com a assinatura do tratado de paz de Zamora entre o rei Afonso VII, de Castela, e D. Afonso Henriques, em que este é reconhecido como rei de Portugal.

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