A curtimenta de peles em Bairro e em Sanfins

     Sabe-se que em Bairro e em Sanfins se fazia antigamente este trabalho de curtir peles. Nos livros de registos paroquiais há algumas referências a esta actividade, visto que são indicados alguns indivíduos que exerciam o ofício de surrador. Um surrador era alguém que trabalhava na curtimenta de peles de animais, designadamente peles de vaca, ovelha, cabra ou porco. Aliás ainda hoje subsiste essa alcunha em Bairro usada provavelmente em relação a descendentes de pessoas que no passado tiveram esta profissão.


     Os surradores ocupavam, na escala dos ofícios que então se praticavam, uma posição baixa. O que havia de mais distintivo daquela actividade era o cheiro que se exalava, resultante da podridão da carne que se agarrava às peles por curtir e dos reagentes que se usavam para curtir peles, onde a cal e os excrementos de pombo ocupavam lugar de destaque. Também se usava nestes trabalhos casca de carvalho moída, rica em tanino.


     Dizia-se que, um surrador era sempre reconhecido à distância, pelo odor que se lhe entranhava na pele e que exalava, mesmo quando envergava o seu fato domingueiro.


     Sabe-se que este ofício foi exercido no lugar de Pombal. Este lugar não é referido nas Memórias Paroquiais de 1758, o que quer dizer que, nessa altura, ainda não era habitado. Claro que não sabemos a razão por que lhe deram esse nome, mas podemos especular que talvez se deva ao facto de haver algum pombal no lugar, tanto mais que os excrementos de pombos eram fundamentais para a actividade de curtir peles que lá se praticava.

 

     A primeira referência que encontrei ao ofício de surrador na extinta freguesia de Sanfins, agora integrada em Bairro, remonta ao ano de 1823. No casamento de Jerónimo Pereira com Ana Maria Carneiro, diz-se que ele era surrador. O casal fixou residência no lugar de Pombal, onde exerceu a sua actividade. Ele era filho de António Pereira e de Maria Josefa Gonçalves, moradores em Sanfins.

 

     No registo de baptismo de José, nascido em 13.08.1887, diz-se que era filho de Francisco José de Sousa, surrador, natural de Rebordões, e de Joaquina Rosa Pereira, natural do Lugar de Pombal, freguesia de Bairro, moradores no lugar de Pombal, neto materno de Jerónimo Pereira e de Ana Maria Carneiro. O padrinho foi António Pereira, casado, surrador, morador em Bairro.


     A indústria de curtumes teve grande importância em Guimarães, onde o seu núcleo produtivo se situava ao sul da cidade, estendendo-se pelas margens do ribeiro que, na sua passagem por aquele lugar, adopta a designação de rio de Couros. Aquele bairro, centrado na rua de Couros, estendia-se por uma teia de ruelas, pequenos largos e becos, com uma grande concentração de casas, tanques de curtimenta, barracas e secadouros.


     Da velha zona de Couros, do trabalho que por lá se fazia e do seu cheiro característico, verdadeiramente nauseabundo, apenas perduram as memórias dos poucos que ainda se lembram do tempo em que por ali se praticava a curtimenta.


     Os antigos processos de tratar o couro já há muito caíram em desuso entre nós, sendo substituídos por novos processos industriais, também eles em vias de extinção em terras de Guimarães.


     Quem puder visitar Marrocos, em especial a cidade de Fez, poderá viver a estranha sensação de retorno a um lugar como o da rua de Couros ou a qualquer outro onde se curtiam peles. Lá podem observar-se os tanques, os couros, o uso dos excrementos de pombo, o trabalho duro, muito duro e o cheiro, um cheiro intenso, um fedor quase insuportável, que se cola à pele como um ferrete e que teima em não se soltar.

 

     Na cidade de Fez o trabalho de curtir couros ainda se faz por processos artesanais antigos, como os que em Guimarães e, em menor escala, em Bairro se praticaram.