Rosa Ferreira da Silva (1921-2025)

Foi uma mulher cuja vida foi marcada por uma mistura de adversidades e resiliência, amor e superação. Nascida em 13 de outubro de 1921, filha de José António da Silva, um mestre de obras e comerciante bem-sucedido, e de Engrácia Ferreira da Silva, Rosa cresceu em um ambiente privilegiado, onde a família desfrutava de condições de vida superiores às da maioria dos seus concidadãos. No entanto, a morte precoce do pai, em 1937, quando Rosa tinha apenas 15 anos, trouxe um profundo revés à família. Com os filhos ainda jovens e incapazes de assumir os negócios paternos, a família viu-se confrontada com dificuldades financeiras e emocionais que nunca antes havia experimentado.

Apesar das circunstâncias desafiadoras, Rosa seguiu em frente com determinação. Casou-se com José Leite e, em 1946, deu à luz o seu primeiro filho, António. No ano seguinte, nasceu Isabel, aumentando a família. Mas a vida reservava-lhe outro grande desafio: um grave problema de saúde que a deixou acamada durante sete longos anos. Durante esse período, Rosa enfrentou a dor e a imobilidade com uma força admirável. Confinada a um leito de tábuas, no rés do chão da casa, ela dependia da ajuda da mãe e de outros familiares para as tarefas mais simples. Mesmo assim, nunca deixou de se preocupar com a educação dos filhos, demonstrando um amor incondicional e uma dedicação que transcendiam as suas próprias limitações físicas.

A filha Isabel foi entregue aos cuidados de uma irmã, Joaquina, enquanto Rosa se concentrava em recuperar e em manter viva a esperança de um dia voltar a andar.

Lembro-me que havia uma pequena sala logo na entrada da casa, adornada com retratos de antepassados de grandes barbas e bigodes, e uma estante repleta de livros de autores como Camilo Castelo Branco e Eça de Queirós, que na altura, com sete ou oito anos, não nos suscitavam, a António e a mim, qualquer interesse. Mas lembro-me que gostávamos de folhear uns livros sobre as possessões portuguesas em África, com as suas fotos fascinantes, de que era autor o capitão Henrique Galvão (*). Esses eram dos poucos que despertavam a nossa atenção, oferecendo-nos um vislumbre de um mundo distante.

Após sete anos de luta, Rosa foi submetida a uma cirurgia que lhe devolveu a mobilidade. Foi um renascimento. Ela não só recuperou a capacidade de andar, como também deu à luz mais uma filha, Teresa, completando a sua família com mais uma bênção. A partir daí, Rosa retomou uma vida normal, dedicando-se aos filhos, aos netos e, mais tarde, aos bisnetos, sempre com um sorriso no rosto e um coração cheio de gratidão.

Rosa faleceu a 8 de março de 2025, aos 103 anos, deixando para trás um legado de amor, perseverança e felicidade. A sua vida foi um testemunho de que, mesmo diante das maiores adversidades, é possível encontrar luz e seguir em frente com dignidade. Ela enfrentou a perda, a doença e as dificuldades financeiras, mas nunca permitiu que essas circunstâncias definissem o seu espírito. Rosa viveu uma vida longa e plena, cercada pela família que tanto amava, e partiu deste mundo deixando um rastro de memórias que continuarão a inspirar gerações futuras. A sua história é um lembrete de que a felicidade não reside na ausência de desafios, mas na forma como os enfrentamos e superamos.

Sobre seu pai, José António da Silva, bisavó, Maria do Rosário Cirne, e sobre outros seus antepassados, estão publicados vários textos nesta página do facebook e em www.bairroantigo.webnode.pt com os títulos «Os avoengos», designadamente Cirnes, Martins, Silvas, Sousas, Ribeiros e Pereiras, ou sobre a Central Térmica de Caniços e outros.

Nota:

(*) - Henrique Galvão nasceu no Barreiro em 4 de fevereiro de 1895 e faleceu em São Paulo, Brasil, em 25 de junho de 1970. Militar, escritor e deputado, destacou-se como opositor ao Estado Novo.

Em 1947, enquanto deputado, apresentou à Comissão das Colónias da Assembleia Nacional um relatório denunciando as condições desumanas a que eram submetidos os nativos das colónias portuguesas, incluindo trabalhos forçados e não remunerados. Diante da indiferença do regime, Galvão passou a integrar a oposição democrática.

Perseguido por conspirar contra o governo, foi preso e expulso do Exército. No entanto, conseguiu escapar da prisão e refugiar-se na Embaixada da Argentina, partindo depois para o exílio no Brasil e na Venezuela.

No exílio, planeou a sua ação mais ousada: o assalto ao paquete Santa Maria, que rebatizou como Santa Liberdade. A operação, iniciada em 22 de janeiro de 1961, embora não tenha alcançado todos os seus objetivos, alertou o mundo para a ditadura salazarista, tornando-se um símbolo da resistência antifascista.

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