Um grupo de teatro em Bairro
Entre os anos vinte e cinquenta do século passado, esteve em actividade um grupo de teatro sediado em Caniços, designado por Grupo Dramático Camilo Castelo Branco. Pela leitura dos prospectos publicitários que abaixo reproduzimos, percebe-se que o grupo já existia em 1927, ano em que terá tido uma actuação memorável em Rebordões. Esses prospectos foram impressos na Tipografia Santarém, em Santo Tirso, cada um com uma tiragem de 500 exemplares, em Abril e em Junho de 1942, o que quer dizer que o grupo já levava nessa altura pelo menos 15 anos de existência. Cada um deles anunciava espectáculos de teatro com as peças «Espinhos e Flores», «Um casamento feliz» ou «A Morte de Abel». Durante a sua existência, o grupo terá levado à cena outras peças.
Os actores e actrizes eram na maioria de Bairro, mas também havia alguns elementos de Sequeirô, com um denominador comum: todos trabalhavam na Fábrica de Caniços, onde a ideia de criar um grupo de teatro deve ter germinado.
Curiosamente, alguns dos elementos do grupo não sabiam ler, o que dificultava a tarefa de decorar os papéis que lhes eram atribuídos.
Um dos actores era Aparício Moreira, que mais tarde foi taxista, bem conhecido na freguesia. Uma das actrizes, Maria José, o único elemento do grupo ainda vivo (*), foi, juntamente com seu marido, proprietária do Café Mira. Um actor de Sequeirô ganhou a alcunha de Satanás e um outro o de Maria Alice por terem representado esses personagens em «A Morte de Abel» e em outra peça. É que naquela época não era fácil recrutar mulheres para os grupos de teatro, porque os pais ou maridos nem sempre o permitiam. Nesses casos era forçoso recorrer a homens para desempenharem papéis femininos, o que certamente empobrecia o espectáculo.
Em 1942, o ensaiador do grupo era David Moreira e o ponto Luís Moreira.
Os espectáculos eram abrilhantados pela Orquestra de Bairro, sob a batuta de Manuel Baptista Carneiro de Andrade, que também era o regedor da freguesia.
O grupo actuava no Salão Recreativo Bairrense, instalado em Caniços no rés-do-chão da casa de Hans Kull, um suiço nascido em Zurique em 1899, que se radicou em Bairro. Provavelmente, também terá actuado noutros locais.
Quando era ainda muito pequeno e nos meus verdes anos, em 1950 ou 1951, lembro-me de ter visto uma representação de «A Morte de Abel», talvez levada à cena por este mesmo grupo, na Ribeira, num prédio que julgo ter pertencido a Silvino Machado. Fui com a minha mãe e outras pessoas. Lembro-me perfeitamente que fiquei amedrontado com a presença de Satanás e de todos os outros diabos. No meio do palco havia um alçapão que se abria e por onde entravam e saíam grotescas figuras de diabos e subiam umas labaredas ameaçadoras, simulando o inferno. Por mais que a minha mãe me dissesse que aqueles diabos e aquele inferno não eram verdadeiros, que eram inofensivos, que era tudo a fingir, só me senti seguro quando o espectáculo terminou e voltamos para casa.
A publicação das imagens abaixo só é possível porque alguém teve o cuidado de recolher e de guardar religiosamente essas preciosidades, que ajudam a compreender como se vivia em Bairro na primeira metade do século passado. Esse alguém tem nome: Vìtor Marques.
Nota: (*) - Faleceu em 2020.